PESADELOS BRASILEIROS NO CENÁRIO DA CAPITAL DA REPÚBLICA. Adelto Gonçalves, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, sobre As cinco estações do amor, de João Almino

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O Estado de S. Paulo Jornal da Tarde Sábado, 07 de julho de 2001

Terceiro romance de uma trilogia do diplomata João Almino, As CincoEstações do Amor relata os desarranjos na vida de uma mãe adotiva, sua família e seus agregados, com todos os ingredientes que assustam no cotidiano das grandes cidades

Por Adelto Gonçalves

Diplomata em Londres, ensaísta que escarafunchou a Constituinte de 1946 e ex-professor de ciência política, filosofia e literatura na Universidade de Brasília, na Universidade Nacional do México e em Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos, João Almino, 51 anos, parte para a sua terceira experiência na ficção com As Cinco Estações do Amor, romance em que mais uma vez adota a capital da República como cenário. Se em Samba-Enredo (1994) chamou a atenção por colocar como narrador um supercomputador do futuro, para fugir das narrativas tradicionais em primeira ou terceira pessoas, desta vez, o autor também não deixa de surpreender ao apresentar como alter ego uma professora universitária aposentada, de 55 anos, fiel representante da geração brasileira de Woodstock.

Com Samba-Enredo e Idéias Para Onde Passar o Fim do Mundo (1987) este livro compõe uma trilogia, retomando personagens dos anteriores, e gira em torno do que o destino reservou para um grupo de amigos, os “inúteis”, que, ao final de 1970, estabeleceram um pacto entre si para que se reencontrassem no réveillon do ano 2000, quando deveriam fazer um balanço de suas vidas.

A trama tem por centro o retomo de Norberto, agora travestido em Berta, um transexual de meia-idade, que chega para transformar e tumultuar a vida pacata de Ana, a professora aposentada. Divorciada, sem filhos, ela mantém dois sobrinhos – um rapaz e uma moça -, além de dispor do trabalho de uma empregada doméstica, a sertaneja Berenice, que, ao longo do tempo, tornara-se mais uma amiga.

Na Brasília de hoje, como de todas as grandes e médias cidades brasileiras, em que a violência domina as ruas, criar filhos não é tarefa fácil. Ainda mais filhos dos outros. Pior ainda quando a mãe adotiva é uma egressa dos movimentos hippies dos anos 70, que não se sente bem quando tem de apelar para a autoridade a fim de preservar a ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ambiente em que já se equilibrava o que se poderia chamar de uma família. Freqüentadora dos piores tugúrios noturnos, um dia aparece assassinada com requintes de crueldade. Vai-se ver e Ana constata que os marginais, autores da perversidade, tinham ligações com o filho da empregada e com o seu sobrinho, todos envolvidos com o tráfico de drogas. Um drama extremamente atual e intrínseco ao pesadelo que o Brasil vive hoje.

Vencidos da vida

Em João Almino, um autor que começa a ficar especializado em rapsódias satíricas, não há como deixar de constatar uma decisiva influência de Machado de Assis. Em seu primeiro livro, num mundo à beira da destruição, um escritor morto volta à Terra, à semelhança do machadiano Brás Cubas, só que para terminar o roteiro de um filme. No segundo, o autor, além de estruturar a obra em capítulos curtos à semelhança de Memórias Póstumas de Brás Cubas

Como os “vencidos da vida”, os “inúteis” são pessoas que, num determinado momento, integrantes de um grupo cultural preciso, deixaram de sonhar com a revolução social e desistiram de buscar rumos para o país em que viviam, traçando seu próprio percurso de desilusão e desencanto. A ausência de saída pessoal ou coletiva – o que, simbolicamente, é representado pela reverência que os antigos companheiros prestam à memória de Helena, a companheira que partira para a luta armada no começo de 1970 e é dada como desaparecida – marca a visão de mundo dos “inúteis”, todos agora ao redor dos 50 e poucos anos, assim como marcou a geração de Eça de Queirós, incapaz de reagir ao Portugal medíocre de seu tempo que o liberalismo nacional havia construído.

Democratas autoritários

A visão de mundo de ambas as gerações é esculpida pela ambigüidade, que se foi alterando à medida que o tempo passava, transformando-se de uma visão atuante, de quem queria mudar os rumos do país, para uma visão desistente, desolada, de quem descobriu, com a própria experiência da vida, que tanto Brasil como Portugal padecem de males congênitos, até porque saíram do mesmo ventre: os males do autoritarismo das elites pretensamente liberais-democratas. Tais constatações, aliás, João Almino já fizera em sua tese de doutorado em Filosofia, defendida na França sob a orientação de Claude Lefort e recolhida no livro Os Democratas Autoritários (1980), na qual buscou as raízes mais profundas do autoritarismo brasileiro num momento especial em que existia um “democratismo generalizado”- o da Constituinte de 1946. Com As Cinco Estações do Amor, João Almino, fiel às nossas mais caras tradições literárias, mas sem deixar de ser moderno, reforça a posição que já alcançara com os dois livros anteriores: a de um dos melhores romancistas de sua geração.

Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP; é autor de Gonzaga, Um Poeta do Iluminismo.

O Estado de S. Paulo Jornal da Tarde Sábado, 07 de julho de 2001

Terceiro romance de uma trilogia do diplomata João Almino, As CincoEstações do Amor relata os desarranjos na vida de uma mãe adotiva, sua família e seus agregados, com todos os ingredientes que assustam no cotidiano das grandes cidades

Por Adelto Gonçalves

Diplomata em Londres, ensaísta que escarafunchou a Constituinte de 1946 e ex-professor de ciência política, filosofia e literatura na Universidade de Brasília, na Universidade Nacional do México e em Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos, João Almino, 51 anos, parte para a sua terceira experiência na ficção com As Cinco Estações do Amor, romance em que mais uma vez adota a capital da República como cenário. Se em Samba-Enredo (1994) chamou a atenção por colocar como narrador um supercomputador do futuro, para fugir das narrativas tradicionais em primeira ou terceira pessoas, desta vez, o autor também não deixa de surpreender ao apresentar como alter ego uma professora universitária aposentada, de 55 anos, fiel representante da geração brasileira de Woodstock.

Com Samba-Enredo e Idéias Para Onde Passar o Fim do Mundo (1987) este livro compõe uma trilogia, retomando personagens dos anteriores, e gira em torno do que o destino reservou para um grupo de amigos, os “inúteis”, que, ao final de 1970, estabeleceram um pacto entre si para que se reencontrassem no réveillon do ano 2000, quando deveriam fazer um balanço de suas vidas.

A trama tem por centro o retomo de Norberto, agora travestido em Berta, um transexual de meia-idade, que chega para transformar e tumultuar a vida pacata de Ana, a professora aposentada. Divorciada, sem filhos, ela mantém dois sobrinhos – um rapaz e uma moça -, além de dispor do trabalho de uma empregada doméstica, a sertaneja Berenice, que, ao longo do tempo, tornara-se mais uma amiga.

Na Brasília de hoje, como de todas as grandes e médias cidades brasileiras, em que a violência domina as ruas, criar filhos não é tarefa fácil. Ainda mais filhos dos outros. Pior ainda quando a mãe adotiva é uma egressa dos movimentos hippies dos anos 70, que não se sente bem quando tem de apelar para a autoridade a fim de preservar a ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ambiente em que já se equilibrava o que se poderia chamar de uma família. Freqüentadora dos piores tugúrios noturnos, um dia aparece assassinada com requintes de crueldade. Vai-se ver e Ana constata que os marginais, autores da perversidade, tinham ligações com o filho da empregada e com o seu sobrinho, todos envolvidos com o tráfico de drogas. Um drama extremamente atual e intrínseco ao pesadelo que o Brasil vive hoje.

Vencidos da vida

Em João Almino, um autor que começa a ficar especializado em rapsódias satíricas, não há como deixar de constatar uma decisiva influência de Machado de Assis. Em seu primeiro livro, num mundo à beira da destruição, um escritor morto volta à Terra, à semelhança do machadiano Brás Cubas, só que para terminar o roteiro de um filme. No segundo, o autor, além de estruturar a obra em capítulos curtos à semelhança de Memórias Póstumas de Brás Cubas

Como os “vencidos da vida”, os “inúteis” são pessoas que, num determinado momento, integrantes de um grupo cultural preciso, deixaram de sonhar com a revolução social e desistiram de buscar rumos para o país em que viviam, traçando seu próprio percurso de desilusão e desencanto. A ausência de saída pessoal ou coletiva – o que, simbolicamente, é representado pela reverência que os antigos companheiros prestam à memória de Helena, a companheira que partira para a luta armada no começo de 1970 e é dada como desaparecida – marca a visão de mundo dos “inúteis”, todos agora ao redor dos 50 e poucos anos, assim como marcou a geração de Eça de Queirós, incapaz de reagir ao Portugal medíocre de seu tempo que o liberalismo nacional havia construído.

Democratas autoritários

A visão de mundo de ambas as gerações é esculpida pela ambigüidade, que se foi alterando à medida que o tempo passava, transformando-se de uma visão atuante, de quem queria mudar os rumos do país, para uma visão desistente, desolada, de quem descobriu, com a própria experiência da vida, que tanto Brasil como Portugal padecem de males congênitos, até porque saíram do mesmo ventre: os males do autoritarismo das elites pretensamente liberais-democratas. Tais constatações, aliás, João Almino já fizera em sua tese de doutorado em Filosofia, defendida na França sob a orientação de Claude Lefort e recolhida no livro Os Democratas Autoritários (1980), na qual buscou as raízes mais profundas do autoritarismo brasileiro num momento especial em que existia um “democratismo generalizado”- o da Constituinte de 1946. Com As Cinco Estações do Amor, João Almino, fiel às nossas mais caras tradições literárias, mas sem deixar de ser moderno, reforça a posição que já alcançara com os dois livros anteriores: a de um dos melhores romancistas de sua geração.

Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP; é autor de Gonzaga, Um Poeta do Iluminismo.

O Estado de S. Paulo Jornal da Tarde Sábado, 07 de julho de 2001

Terceiro romance de uma trilogia do diplomata João Almino, As CincoEstações do Amor relata os desarranjos na vida de uma mãe adotiva, sua família e seus agregados, com todos os ingredientes que assustam no cotidiano das grandes cidades

Por Adelto Gonçalves

Diplomata em Londres, ensaísta que escarafunchou a Constituinte de 1946 e ex-professor de ciência política, filosofia e literatura na Universidade de Brasília, na Universidade Nacional do México e em Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos, João Almino, 51 anos, parte para a sua terceira experiência na ficção com As Cinco Estações do Amor, romance em que mais uma vez adota a capital da República como cenário. Se em Samba-Enredo (1994) chamou a atenção por colocar como narrador um supercomputador do futuro, para fugir das narrativas tradicionais em primeira ou terceira pessoas, desta vez, o autor também não deixa de surpreender ao apresentar como alter ego uma professora universitária aposentada, de 55 anos, fiel representante da geração brasileira de Woodstock.

Com Samba-Enredo e Idéias Para Onde Passar o Fim do Mundo (1987) este livro compõe uma trilogia, retomando personagens dos anteriores, e gira em torno do que o destino reservou para um grupo de amigos, os “inúteis”, que, ao final de 1970, estabeleceram um pacto entre si para que se reencontrassem no réveillon do ano 2000, quando deveriam fazer um balanço de suas vidas.

A trama tem por centro o retomo de Norberto, agora travestido em Berta, um transexual de meia-idade, que chega para transformar e tumultuar a vida pacata de Ana, a professora aposentada. Divorciada, sem filhos, ela mantém dois sobrinhos – um rapaz e uma moça -, além de dispor do trabalho de uma empregada doméstica, a sertaneja Berenice, que, ao longo do tempo, tornara-se mais uma amiga.

Na Brasília de hoje, como de todas as grandes e médias cidades brasileiras, em que a violência domina as ruas, criar filhos não é tarefa fácil. Ainda mais filhos dos outros. Pior ainda quando a mãe adotiva é uma egressa dos movimentos hippies dos anos 70, que não se sente bem quando tem de apelar para a autoridade a fim de preservar a ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ambiente em que já se equilibrava o que se poderia chamar de uma família. Freqüentadora dos piores tugúrios noturnos, um dia aparece assassinada com requintes de crueldade. Vai-se ver e Ana constata que os marginais, autores da perversidade, tinham ligações com o filho da empregada e com o seu sobrinho, todos envolvidos com o tráfico de drogas. Um drama extremamente atual e intrínseco ao pesadelo que o Brasil vive hoje.

Vencidos da vida

Em João Almino, um autor que começa a ficar especializado em rapsódias satíricas, não há como deixar de constatar uma decisiva influência de Machado de Assis. Em seu primeiro livro, num mundo à beira da destruição, um escritor morto volta à Terra, à semelhança do machadiano Brás Cubas, só que para terminar o roteiro de um filme. No segundo, o autor, além de estruturar a obra em capítulos curtos à semelhança de Memórias Póstumas de Brás Cubas

Como os “vencidos da vida”, os “inúteis” são pessoas que, num determinado momento, integrantes de um grupo cultural preciso, deixaram de sonhar com a revolução social e desistiram de buscar rumos para o país em que viviam, traçando seu próprio percurso de desilusão e desencanto. A ausência de saída pessoal ou coletiva – o que, simbolicamente, é representado pela reverência que os antigos companheiros prestam à memória de Helena, a companheira que partira para a luta armada no começo de 1970 e é dada como desaparecida – marca a visão de mundo dos “inúteis”, todos agora ao redor dos 50 e poucos anos, assim como marcou a geração de Eça de Queirós, incapaz de reagir ao Portugal medíocre de seu tempo que o liberalismo nacional havia construído.

Democratas autoritários

A visão de mundo de ambas as gerações é esculpida pela ambigüidade, que se foi alterando à medida que o tempo passava, transformando-se de uma visão atuante, de quem queria mudar os rumos do país, para uma visão desistente, desolada, de quem descobriu, com a própria experiência da vida, que tanto Brasil como Portugal padecem de males congênitos, até porque saíram do mesmo ventre: os males do autoritarismo das elites pretensamente liberais-democratas. Tais constatações, aliás, João Almino já fizera em sua tese de doutorado em Filosofia, defendida na França sob a orientação de Claude Lefort e recolhida no livro Os Democratas Autoritários (1980), na qual buscou as raízes mais profundas do autoritarismo brasileiro num momento especial em que existia um “democratismo generalizado”- o da Constituinte de 1946. Com As Cinco Estações do Amor, João Almino, fiel às nossas mais caras tradições literárias, mas sem deixar de ser moderno, reforça a posição que já alcançara com os dois livros anteriores: a de um dos melhores romancistas de sua geração.

Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP; é autor de Gonzaga, Um Poeta do Iluminismo.

O Estado de S. Paulo Jornal da Tarde Sábado, 07 de julho de 2001

Terceiro romance de uma trilogia do diplomata João Almino, As CincoEstações do Amor relata os desarranjos na vida de uma mãe adotiva, sua família e seus agregados, com todos os ingredientes que assustam no cotidiano das grandes cidades

Por Adelto Gonçalves

Diplomata em Londres, ensaísta que escarafunchou a Constituinte de 1946 e ex-professor de ciência política, filosofia e literatura na Universidade de Brasília, na Universidade Nacional do México e em Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos, João Almino, 51 anos, parte para a sua terceira experiência na ficção com As Cinco Estações do Amor, romance em que mais uma vez adota a capital da República como cenário. Se em Samba-Enredo (1994) chamou a atenção por colocar como narrador um supercomputador do futuro, para fugir das narrativas tradicionais em primeira ou terceira pessoas, desta vez, o autor também não deixa de surpreender ao apresentar como alter ego uma professora universitária aposentada, de 55 anos, fiel representante da geração brasileira de Woodstock.

Com Samba-Enredo e Idéias Para Onde Passar o Fim do Mundo (1987) este livro compõe uma trilogia, retomando personagens dos anteriores, e gira em torno do que o destino reservou para um grupo de amigos, os “inúteis”, que, ao final de 1970, estabeleceram um pacto entre si para que se reencontrassem no réveillon do ano 2000, quando deveriam fazer um balanço de suas vidas.

A trama tem por centro o retomo de Norberto, agora travestido em Berta, um transexual de meia-idade, que chega para transformar e tumultuar a vida pacata de Ana, a professora aposentada. Divorciada, sem filhos, ela mantém dois sobrinhos – um rapaz e uma moça -, além de dispor do trabalho de uma empregada doméstica, a sertaneja Berenice, que, ao longo do tempo, tornara-se mais uma amiga.

Na Brasília de hoje, como de todas as grandes e médias cidades brasileiras, em que a violência domina as ruas, criar filhos não é tarefa fácil. Ainda mais filhos dos outros. Pior ainda quando a mãe adotiva é uma egressa dos movimentos hippies dos anos 70, que não se sente bem quando tem de apelar para a autoridade a fim de preservar a ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ordem no lar. A presença de Berta acaba por conturbar o precário ambiente em que já se equilibrava o que se poderia chamar de uma família. Freqüentadora dos piores tugúrios noturnos, um dia aparece assassinada com requintes de crueldade. Vai-se ver e Ana constata que os marginais, autores da perversidade, tinham ligações com o filho da empregada e com o seu sobrinho, todos envolvidos com o tráfico de drogas. Um drama extremamente atual e intrínseco ao pesadelo que o Brasil vive hoje.

Vencidos da vida

Em João Almino, um autor que começa a ficar especializado em rapsódias satíricas, não há como deixar de constatar uma decisiva influência de Machado de Assis. Em seu primeiro livro, num mundo à beira da destruição, um escritor morto volta à Terra, à semelhança do machadiano Brás Cubas, só que para terminar o roteiro de um filme. No segundo, o autor, além de estruturar a obra em capítulos curtos à semelhança de Memórias Póstumas de Brás Cubas

Como os “vencidos da vida”, os “inúteis” são pessoas que, num determinado momento, integrantes de um grupo cultural preciso, deixaram de sonhar com a revolução social e desistiram de buscar rumos para o país em que viviam, traçando seu próprio percurso de desilusão e desencanto. A ausência de saída pessoal ou coletiva – o que, simbolicamente, é representado pela reverência que os antigos companheiros prestam à memória de Helena, a companheira que partira para a luta armada no começo de 1970 e é dada como desaparecida – marca a visão de mundo dos “inúteis”, todos agora ao redor dos 50 e poucos anos, assim como marcou a geração de Eça de Queirós, incapaz de reagir ao Portugal medíocre de seu tempo que o liberalismo nacional havia construído.

Democratas autoritários

A visão de mundo de ambas as gerações é esculpida pela ambigüidade, que se foi alterando à medida que o tempo passava, transformando-se de uma visão atuante, de quem queria mudar os rumos do país, para uma visão desistente, desolada, de quem descobriu, com a própria experiência da vida, que tanto Brasil como Portugal padecem de males congênitos, até porque saíram do mesmo ventre: os males do autoritarismo das elites pretensamente liberais-democratas. Tais constatações, aliás, João Almino já fizera em sua tese de doutorado em Filosofia, defendida na França sob a orientação de Claude Lefort e recolhida no livro Os Democratas Autoritários (1980), na qual buscou as raízes mais profundas do autoritarismo brasileiro num momento especial em que existia um “democratismo generalizado”- o da Constituinte de 1946. Com As Cinco Estações do Amor, João Almino, fiel às nossas mais caras tradições literárias, mas sem deixar de ser moderno, reforça a posição que já alcançara com os dois livros anteriores: a de um dos melhores romancistas de sua geração.

Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP; é autor de Gonzaga, Um Poeta do Iluminismo.