Las cinco estaciones del amor

Todos se lembram das cidades-fantasmas da mineração, entrevistas nos faroestes do cinema ou na literatura das Minas Gerais. Brasília é uma cidade-fantasma às avessas. Ela acolheu moradores e só ganhou vida depois de abandonada no planalto pelo imaginário dos arquitetos, pelo concreto das construtoras e pelo trabalho dos pedreiros. Uma cidade-fantasma às avessas é antibíblica, réplica leiga que é de Sodoma. Dá-se à luz no momento em que os casulos vazios bauhaus passam a ser ocupados por migrantes. Ao contrário do que mostra o silêncio asséptico dos cartões-postais, que só retratam o monumental, Brasília é rasteira e barulhenta. Humana demasiadamente humana. Uma cidade à medida do amor e da amizade, e não do Poder nela encalacrado.

A Brasília de carne e osso é matéria para ficcionistas, poetas e músicos pop. Com a Trilogia de Brasília, de que vamos ler agora As cinco estações do amor, João Almino define-se como o mais completo «autor» de Brasília. A materialidade da cidade-fantasma às avessas não está nas pranchetas ou no concreto; está no burburinho das vozes migrantes. Vozes dos trabalhadores excluídos para as cidades-satélites, dos aventureiros e desenraizados que, por vontade ou por decreto, ali aportaram. São essas vozes que o ouvido afinado de João Almino vem surpreendendo. Capta-as com a sua implacável kodak romanesca. Imagens instantaneístas da revolução que não houve, do homem novo que deveria ter sido, do fim do mundo que não chega, da passagem do milênio que se comemora, para quê?

O último volume da trilogia preocupa-se com os migrantes que não mais o quiseram ser. Fincaram pé na poeira para sempre, transformando-se no grupo felliniano de «Os inúteis». As cinco estações do amor detém-se nas histórias frustradas desses remanescentes da geração pós-68. Pensaram que na cidade do futuro estava o futuro da humanidade. A ação desse novo e extraordinário romance de João Almino se passa hoje, nos primeiros dias do novo século, do novo milênio. Fecha-se a cortina do passado.

Segundo o romancista, a utopia está hoje na redefinição das relações possíveis entre as pessoas. João Almino mói no áspero. Amor e amizade. Sexo e sensualidade. Desejo e violência. Daí o naipe de personagens, que tanto aponta para as transformações revolucionárias que deveriam ter sido quanto para as mutações comportamentais que estão sendo. Ex-guerrilheiros convivem com homossexuais e travestis, jovens criminosos contrastam com a maturidade (in)conformada.

Se Brasília é a cidade-fantasma que anunciava o fim da metáfora do Brasil como país também fantasma, As cinco estações do amor redefine a nação brasileira como algo que esteve para ser inventado pelos homens. No novo milênio, os casulos vazios bauhaus não têm mais a forma de cubos e esferas. Página virada pelos inúteis. Temos hoje os casulos vazios da terra improdutiva. «Pratico o pessimismo como método», afirma o romancista e pensador João Almino.

Atenção: pessimismo não se confunde com derrotismo.


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