Cidade LivreFree CityCiudad LibreHôtel Brasilia

/

Sim, Brasília. Admirei o tempo que já cobre de anos tuas impecáveis matemáticas.

Paulo Leminski

E em sua memória ficavam, no perfeito puro, castelos já armados.Tudo, para a seu tempo ser dadamente descoberto, fizera-se primeiro estranho e desconhecido… Esta grande cidade ia ser a mais levantada no mundo.

Guimarães Rosa

Como os candangos de Brasília, eu, também, me considerava um “construtor de catedrais”.

Juscelino Kubitschek

SUMÁRIO

Introdução: Sete noites e um enterro Primeira noite: De A a Z Segunda noite: De corpo e alma Terceira noite: Paisagens com cupim Quarta noite: Lucrécia Quinta noite: A construção do mistério Sexta noite: O campo da esperança Sétima noite: O deserto e o esquecimento

Introdução:

Sete noites e um enterro

Num ponto pensei em me desfazer do que pesquisei e escrevi, deixar minhas lembranças, medos e inquietações para um livro de memórias em que contaria não apenas minha infância na Cidade Livre, a cidade que viera romper o silêncio que por milênios dominara aquele planalto, mas também meu interesse pelo jornalismo, meu encontro com minha atual mulher e o nascimento de meus três filhos, relegar minha pesquisa para as reportagens e me concentrar nas palavras de papai, palavras que ainda vim a corrigir depois de uma conversa com tia Francisca durante seu enterro.

Mas não, meu relato manteve misturadas minhas memórias, as de papai, minhas pesquisas e as observações de tia Francisca, e cometi o erro de entregá-lo a um escritor que o esvaziou de vírgulas e pontos, o encheu de gírias e cenas de violência, me alertou ser preciso acrescentar-lhe uma dimensão moral e filosófica e ainda me perguntou se continha algum ensinamento, o que achei um absurdo e por isso decidi enviá-lo à editora mesmo sem a moral, a filosofia e o ensinamento, me chateando depois com a resposta polida de que não se enquadrava na sua linha editorial.

Pensei em vender meu carro para bancar a edição, cortei os floreios e restabeleci meus pontos e vírgulas, pois não tinha tempo a perder com filigranas estilísticas e acho mesmo uma vantagem ser jornalista: de Lucrécia, que vê um pássaro, nunca direi que o vento suspirava docemente sobre sua fronte, nem que sua beleza esmaltou-se de ternos sorrisos, nem que seus olhos se estendiam pela imensidão do Cerrado ou adejavam com o pássaro pelos campos vermelhos. Quando eu estava a meio caminho andado, um crítico que se dizia meu amigo me censurou não apenas o estilo, mas também o conteúdo, Esse seu experimento vai ser um desastre, anunciou, e atribuí o vaticínio a uma divergência política, pois estávamos em lados contrários, ele me via como retrógrado e ainda agora passa por mim sem me cumprimentar, mas devo a ele a sugestão de criar este blog e ir publicando a história aqui, como folhetim do século dezenove — com o que salvei meu carro.

Não tenho a presunção de saber tudo o que aconteceu naqueles tempos, posso ter errado, escrito demais ou de menos, vocês sabem que memórias e pesquisas são falhas e incompletas, melhor então confessar já de cara que muitos fatos esqueci e, dos que me lembro, nem sempre me lembro com certeza ou precisão, por isso este é um texto para ser modificado pelos leitores, como se eu tivesse criado uma wikipédia desta história, com apenas as regras de que nas minhas memórias, de papai e de tia Francisca somente eu posso mexer, e o resto – a descrição dos fatos que nos dão a impressão de sermos parte do espírito de um tempo –, vocês leitores do blog podem corrigir à vontade, e, se tiverem algum caso a contar ou comentário a fazer, que não se intimidem.

Ao longo do processo, ainda acrescentei uma ou outra opinião pessoal e corrigi o que sabia a partir do que foi publicado sobre Brasília até este ano de 2010, acumulando assim uma dívida profunda para com Isaías P. Ferreira da Silva Junior, cuja obra analisa minuciosamente a flora e a fauna, os primeiros habitantes e acompanha os detalhes da construção, um trabalho que é ao mesmo tempo de historiador, antropólogo e sociólogo. Uma dívida ainda maior ele tem com muitos e muitos outros que, através de relatos históricos, análises sociológicas ou antropológicas, memórias, testemunhos, depoimentos em jornais, reportagens, crônicas, poemas, contos e até mesmo romances, procuraram desenhar um painel sobre a Cidade Livre, também conhecida como Núcleo Bandeirante, na época da construção de Brasília.

É ainda em papai que encontro a inspiração para publicar este livro, pois, quando ele tentava conciliar seu interesse crescente pela construção civil com a atividade jornalística, me dizia que também na escrita havia construção, e a gente ia pondo tijolo sobre tijolo, e com esse ensinamento presente há muitos anos levei adiante seu bastão de jornalista e é a partir desse mesmo ensinamento que rearrumo os tijolos para compor este relato na sua forma atual.

Finalmente agradeço a revisão de João Almino, que eu conheci em 1970 quando pela primeira vez pôs os pés em Brasília, e foi dele o incentivo para que eu começasse a escrever esta história. Até aqui este é o único parágrafo que vocês, leitores do blog, comentaram, querem porque querem saber meu nome ou pelo menos se sou ou não sou João Almino, como se a história mudasse de sentido dependendo de quem seja seu autor, mas paciência, mantenho meu anonimato pela simples razão de que me dá mais liberdade, sobretudo liberdade para ser sincero.

Primeira noite: de A a Z

“Brasília é um romance digno de ser contado”, a frase que retirei de um dos vários cadernos enterrados por Moacyr Ribeiro, meu pai, dentro de uma caixa no dia seguinte à inauguração da cidade, foi pronunciada numa época em que papai colecionava frases dos visitantes estrangeiros da cidade em construção. A capa do caderno trazia uma paisagem em verde, amarelo e azul, cortada em vermelho pela palavra “Avante”, com belas palmeiras e cinco garotos em disparada explorando o território e sabendo para onde iam, todos de chapéu de massa e lencinho vermelho, meias três-quartos, camisa de mangas compridas enroladas acima dos cotovelos, cinto largo, cada um com seu cantil de água, e o do meio empunhando uma bandeira do Brasil de haste pontiaguda pronta para ser fincada no futuro, dois riscos finos embaixo e outro, grosso, abaixo daqueles, no canto direito, onde papai escrevera “construção de Brasília 1956-1960”, e nas duas linhas finais “comentários de personalidades mundiais”.

Eu tinha de obter o depoimento de papai antes que ele morresse, uma forma também de me reconciliar com ele no momento delicado que ele atravessava e de reparar meu erro de ter-me afastado dele por tanto tempo, na verdade desde que o deixara, seis anos após o incidente de Valdivino, em meio a uma briga que ainda tento entender e que começou quando contei a tia Francisca o que me haviam dito sobre papai, e ainda assim ela não quis desistir de se casar com ele, É tudo mentira, ela dizia, Pois me conte a versão verdadeira, Não, não tenho nada para lhe contar, ela me respondeu. Foi então que, usando como estopim uma desavença em torno de um artigo que eu escrevera, saí de casa esbravejando contra papai e me mudei para o apartamento de tia Matilde, mas vivi na dúvida e precisava, antes que ele morresse, de uma confirmação sobre o que de fato aconteceu.

Agora, tantos meses depois das sete noites que passei com ele e da sétima noite, a de sua morte, me pergunto se não fui eu mesmo seu assassino. Talvez seja para me redimir que misturo frases de seus papéis enterrados com histórias que li e ouvi, especialmente as que ouvi dele desde que notei nos seus olhos a alegria de me ver a seu lado, pois a alegria às vezes se exprime com lágrimas, como quando nos deparamos com a beleza, a justiça e a bondade em estado puro. O cansaço deste mundo e a resignação com a proximidade da hora de partir foram pouco a pouco transformados pela satisfação com meu gesto reconciliador. Eu não podia acreditar em tudo o que me dizia, e aquele “tudo” me parecia insuficiente, mas reconheço que, com sua voz trêmula, falou muito, como se precisasse de alguém em quem descarregar histórias guardadas desde sempre. De dia ficava calado, e às vezes eu saía, vinha almoçar com minha mulher e meus filhos em nossa casa do Lago Sul, me encontrava com os amigos do jornal e ia à biblioteca da UnB fazer pesquisa, mas de noite eu lia para ele em voz alta e ele consertava uma frase aqui, outra acolá, e me contava, às vezes até de madrugada, muitas histórias sobre Valdivino e o crime que possivelmente não teria ocorrido.

Em seu estado e já com oitenta e dois anos, papai, quando esquecia de um detalhe, inventava outros e até fabricava datas precisas, mas eu mesmo também fui testemunha de muita coisa quando morei na Cidade Livre dos seis aos dez anos de idade, antes de me mudar com tia Francisca para uma das casinhas da W-3 Sul no Plano Piloto, e podia, portanto, completar e corrigir a memória de papai com a minha, bastando, para começar a construir a história, preencher as frases secas que ouvia dele com sol, poeira, lágrimas e medo, e também com tudo o mais com que se devia fazer uma história da Cidade Livre: com máquinas e tratores, com betoneiras, escavadeiras, motoniveladoras, rolos Tander, usinas volumétricas, guindastes, com estacas Franki perfurando o chão, com simples tábuas de madeira e também com noites, bares e prostitutas. Uma história que eu podia contar como epopeia de homens e máquinas criando uma nova cidade, candangos, muitos candangos, sobretudo homens que chegavam sem suas mulheres com a esperança de serem fichados nas empresas construtoras, trazendo malas de madeira ou trouxas, um caneco de alumínio e uma faca presos no cinturão, como era o hábito de Valdivino.

Faz seis meses que papai morreu e que decidi concluir o livro, meses que às vezes têm coberto de luto estas palavras, e outras vezes me ajudado a escavar do esquecimento alguns brilhos de vida, enquanto cato frases no deserto, a ponto de meus amigos do jornal terem notado minha indiferença para com as discussões políticas do momento — logo eu, que já fui tão inconformado e combativo. Minha vida se passa em dois planos distintos: levo os meninos para a escola, chamo o encanador para consertar a torneira da pia, limpo a piscina e, ao mesmo tempo, é como se estivesse vivendo num mundo outro, de história única e eterna, que ainda não conheço completa e que eu mesmo vou procurando compor.

Com este capítulo quase escrito e outros a caminho, cheios de notas e partes já escritas, fico sentado à mesa da varanda, apoiando meus cotovelos em seu tampo de vidro, fumando meu cachimbo, bebendo café ou tomando Campari, a ouvir sapos no começo da noite, lembrando-me de outros sapos, e de repente uma mortalha cobre tudo, até mesmo a bela paisagem à minha frente, e esta história começa a azedar. Paro, respiro o ar lá fora, vejo as luzes da cidade a brilhar sobre o lago, vasculho noutro canto das memórias e sigo noite adentro, desbastando caminhos de inquietação, às vezes por horas e horas sem avançar uma linha. Noutras tento conter as torrentes de palavras que descem desorganizadas de uma lembrança forte, como quando me contaram detalhes da possível morte de Valdivino, me senti traído por tia Francisca e saí de casa brigado com papai. O pior é que até agora o blog não serviu para nada, nenhum seguidor, nenhum comentário útil, talvez porque eu queira esconder a verdadeira razão para estar aqui escrevendo, razão só minha, de quem procura disfarçar nas palavras o sofrimento e o martírio humano, de quem foi abandonado por todos os deuses e ainda assim espera pelo renascimento e a descoberta, de quem se sente culpado pela morte de seu pai. Mas não quero falar de mim, não sou tão louco quanto os médicos dizem, não sou paranoico nem estou fantasiando nada, minha loucura foi apenas temporária, e disso já se vão muitos anos.

Houve uma época em que eu tinha oito anos e em que papai era meu modelo de grande homem, severo e justo nas decisões; uma época em que ele era culto, inteligente, sabia de tudo e me tratava como um filho de verdade, sua autoridade se exprimindo nos gestos enérgicos e nas frases curtas. As desgraças que haviam se abatido sobre ele antes de vir para a Cidade Livre não o haviam tornado amargo. Mas não o conheci de uma vez só, a imagem que fiz dele foi sendo composta ao longo dos anos e, mesmo agora, depois de sua morte, ainda não está completa. De um romance se esperaria que não houvesse dúvidas sobre os contornos morais dos personagens principais ou sobre fatos decisivos de suas vidas, e por isso ainda bem que nada romanceio e devo me contentar com o que sei. Para que tentar corrigir no papel o que na vida esteve errado? Para que forjar uma resposta para o que se apresenta apenas e sempre como incógnita?

Se eu pudesse continuava a conversa com papai. Sinto a falta dele, e meu coração mistura sentimentos que não deveriam estar misturados, de ternura e ódio, enquanto fico remoendo suas palavras, e um vento forte bate nas palmeiras, segredando suposições e me ajudando a martelar o teclado do computador.

Olho para o fundo do jardim, onde, no escuro, árvores baixas, que plantei há um ano, agitam-se nervosas. Vejo um vulto. Papai!, chamo. Silêncio. Ainda ouço sua voz, como eco, lá no fundo de meu medo. O que ele diz? Repete a versão de Íris: Valdivino nunca morreu. Já não protesto, a raiva de antigamente, revisitada, é só lembrança de raiva, aceito o que ele diz, com sua voz frágil e doente, carregada pelo vento. Papai!, chamo novamente e me caem lágrimas dos olhos, enquanto rodopia em minha cabeça um turbilhão de imagens, de ideias e de sentimentos contraditórios, e então me vejo criança, o menino chorão de quem tia Francisca reclamava, antes de acariciar em seu colo.

Logo depois que se apagavam as luzes do gerador, eu fechava os olhos, nunca conseguia ver o bicho do sono que tia Francisca me dizia que vinha me pôr para dormir e temia que Valdivino me aparecesse e me culpasse por sua morte. Criança tem dessas coisas, ele aparecia no meu medo com seu jeito tímido e supersticioso, fazendo suas perguntas sem sentido, chorando por qualquer coisa, chorando tanto num dos meus sonhos que ao meu redor se formava uma piscina de lágrimas, e ainda assim eu não me emocionava. Mas estaria ele morto?

Minha insônia de hoje é o prolongamento daquelas horas quando, na escuridão da noite, eu ouvia barulhos de bêbados pela rua, os latidos de meu cachorro Tufão, as araras que moravam no fundo da casa ou alguma coruja solitária, e abria os olhos para o caleidoscópio de cinzas e negros que desenhavam monstros nas paredes.

Para dar vida à história, bastava eu me transpor para um dia de minha infância, me imaginar no meio de uma avenida da Cidade Livre, e então veria minhas tias desfilando suas formas e trejeitos, Valdivino sentado em frente a uma mesinha transcrevendo cartas, papai conversando na porta de um bar, uma menina de tranças e olhos negros andando de bicicleta, Tufão me seguindo, e veria o colorido das lojas, dos prédios de madeira, carros gordinhos e pretos estacionados na lateral com seus pneus exibindo círculos brancos, e então subiria um cheiro de gasolina, de óleo, de monturos e bostas de cavalo, e apareceriam em tela grande e colorida histórias de crimes, pecados, desesperos e grandes futuros.

Olho para um dia de minha infância e vejo três personagens masculinos conversando em frente a nossa casa, para onde tia Francisca acaba de trazer algumas cadeiras, e nem preciso descrever para vocês a casa de madeira e sem calçada igual a tantas outras que se veem nas fotografias daquele tempo, em frente à qual, eu dizia, os três personagens conversam conversas silenciosas, gesticulam frases, enunciam palavras que não ouço ou, se ouço, não entendo e, se entendo, não me interessam, um deles de rosto oval, branco e bem barbeado, com alguma marca de desgosto, olhar agudo e jocoso, expressão de homem bem-sucedido, que acumulou experiências pela vida. Tufão está sentado a seu lado, ouvindo suas conversas de orelha em pé. É papai.

O segundo, com mãos para trás das quais desce o chapéu, tem um corpo musculoso e bem moldado, ar firme e franco em seu rosto queimado de sol, bigodes bem aparados, e quem o olhasse sentiria inveja de sua aparência feliz. É Roberto, quando ainda não se sabia se seria namorado de tia Francisca ou de tia Matilde.

O terceiro, de uma simplicidade tosca, com um chapéu grande demais para sua cabeça pequena, é conversador, parece inteligente e é o único com esporas nas botas, tendo chegado montado num burro, mas, se atrai minha atenção, é por sua fragilidade. Quando tira as mãos dos bolsos, gesticula sem parar, balança-se para a frente e para trás sobre suas pernas de cambito e dá a impressão de que sairá voando se soprado pelo vento. Os outros dois, quando passam por ele, o olham de cima para baixo. Pela descrição vocês já terão adivinhado: é Valdivino.

Que saudades são essas que sentimos de uma felicidade inventada pela lembrança? Não, não é de hoje minha desconfiança nem minha dúvida, que já estavam lá nos meus tempos de menino, mas tive de esperar vários anos para percebê-las. Meus desejos mudaram, minhas aspirações são outras, já fui bem-sucedido antes de perder quase tudo, mas as horas passam da mesma forma em outros relógios, e o sol, diante das construções que encheram a paisagem, pinta com as mesmas cores a manhã e as esconde igualmente no crepúsculo. Você, meu único e fiel seguidor do blog, tem razão, por que remexer no que está quieto e esquecido?

Naquela primeira noite em que reencontrei papai para tirar minhas dúvidas, ele negou o assassinato de Valdivino, era delicado para mim ressuscitar a velha suspeita, e era melhor, ele me disse, acreditarmos na versão da profetisa do Jardim da Salvação, Íris Quelemém, de que Valdivino não havia morrido e talvez nunca viesse a morrer, sempre fora um insone e um sonâmbulo, ainda andava solto, caminhando dia e noite pela floresta, em busca de Z, a cidade perdida. Deixa isso pra lá, João, são águas passadas.

Às vezes, quando eu ficava recolhido a meus devaneios, me invadia a memória nossa vida na Cidade Livre, feita de lugares e cenas, bem como de histórias de papai, de minhas tias e de outros personagens à nossa volta — entre eles, principalmente Valdivino —, as coisas, fatos e pessoas de minha infância dispostos como numa enorme fotografia de família ou como num tabuleiro distante onde a variedade já se havia desfeito na uniformidade imposta pelo tempo. Somente papai podia, pela primeira vez, reorganizar as peças daquele tabuleiro e retirar da imobilidade a minha memória. É que ele não está morto, ninguém o matou, papai me respondia, está viajando ou apenas dormindo, como Íris disse.

Haviam-se passado alguns anos do incidente quando papai voltou ao Jardim da Salvação, entrou lá anonimamente, o Jardim crescido, e viu Íris envolta em sua veste branca, larga e comprida, de mangas bufantes, cabelos esvoaçantes, fitas azuis descendo de seus ombros, miçangas nos braços e pescoço, grandes argolas nas orelhas e esmalte encarnado nas unhas compridas, fazendo sua pregação no alto do Morro da Batalha, ela já com o ar da profetisa Íris Quelemém que se tornaria famosa em todo o Planalto Central e ainda com uma idade indefinida no seu rosto redondo e sem rugas e nos seus olhos grandes e de um brilho perspicaz, com o ar pensativo e a voz pausada de quem estivesse naquele instante buscando a inspiração para cada uma de suas palavras: De vosso veneno sairá o bálsamo de vossa cura; a maldade já não crescerá em vós, a menos que seja a maldade que cresça a partir do conflito de vossas virtudes, mas se tiverdes sorte, então tereis uma só virtude; que ela seja a tolerância ou a paciência ou o amor — palavras em que papai identificou ecos de palavras já lidas ou ouvidas. Depois de tudo o que acontecera entre Íris e papai, era de se esperar que no mínimo se sentisse incomodada com a presença dele, olhou-o seguidamente e parou de falar, fazendo-se, então, um silêncio longo e constrangedor.

Naquela primeira noite, entre quatro paredes de um branco sujo, papai me contou o diálogo que tivera com ela. Vim para falar de Valdivino, O que aconteceu estava escrito, e Valdivino não morreu, ainda sobrevive, ela respondeu, Então onde posso encontrá-lo? Ele é Karaí, senhor amo santo e bendito, mas Taú e Keraná tiveram sete filhos, as sete desgraças que vão se abater sobre o mundo, e a errância de Valdivino é só o começo de uma delas; ele está na selva, à procura de Z.

No dia do incidente, 22 de abril de 1960, o dia seguinte ao da inauguração de Brasília, papai fora chamado de emergência ao Jardim da Salvação, eu me lembrava bem, pois minhas memórias daquele dia estavam muito presentes, não apenas por algo que antes acontecera entre mim e tia Matilde, mas também porque papai havia trocado seu jipe Willys azul por uma Barata Ford 46 preta, na qual saíra naquela manhã em disparada.

Desconfiei do que papai me contou naquela primeira noite fechado entre quatro paredes, que Valdivino não queria a presença de médico, tinha de ser ele, papai, só confiava nele e em mais ninguém e que, quando chegou ao quarto de um barraco de madeira do Jardim da Salvação, Valdivino estava deitado sobre o chão de barro vermelho, vestia uma calça de brim, trazia braceletes, estava nu da cintura para cima, tinha marcas na cabeça talvez produzidas por pauladas ou algo mais pesado, delirava e balbuciou várias palavras que papai tentou interpretar, sobre a mesa a fotografia de uma adolescente que papai julgou conhecer e um cartão-postal da cidade de Salvador, e num canto uma garrafa de cachaça — estranhamente, pois Valdivino não bebia. Ninguém viu nem ouviu nada, Ele veio para o Vale fugindo de credores, disse um desconhecido. Papai notou que o chamavam Abel, Ele mesmo caiu e se machucou, doutor, bebeu o líquido da cerimônia mais do que devia, não sei se de propósito, falou outro desconhecido, enfiando a cabeça na janela, e logo partiu sem que papai jamais voltasse a vê-lo. Parece que aqui vocês vivem se machucando sozinhos, papai comentou com uma dose de ironia, lembrando-se que recentemente, a pedido de Valdivino, tentara socorrer Íris ali no Jardim da Salvação e a encontrara numa situação semelhante.

Papai desconfiava que o agressor estivesse ali na sala, correu os olhos pelo que pudesse servir de prova ou pelo menos de indício, encontrou apenas um resto de cigarro Continental no chão, aproximou-se de Valdivino quando ele tentava enunciar mais algumas palavras, envolveu delicadamente seu pescoço com as mãos, procurou levantar sua cabeça, pareceu-lhe então que Valdivino havia expirado, sentiu seu pulso e não teve mais dúvida. É o primeiro pecado praticado no Jardim da Salvação, disse um senhor a papai, O senhor quer dizer o primeiro crime?

Papai ainda ficou algum tempo no Jardim da Salvação esperando ser recebido por Íris Quelemém, até que vieram lhe contar que Valdivino continuava estendido no chão, Uns dizem que está morto e outros que está vivo, e então papai procurou voltar ao barraco de Valdivino, mas recebeu um recado de que a profetisa pedia que ele fosse embora, o chamaria se fosse preciso.

Quando papai voltou ao Jardim da Salvação dois dias depois, Íris lhe disse, Ele é um santo, para explicar por que o corpo de Valdivino não apodrecia. Nunca vai apodrecer, vaticinou, e mais tarde espalhou que Valdivino ressuscitara, estava vivo, embora papai nem ninguém lá em casa nunca mais o tivesse visto.

Menino, não temia ficar em casa sozinho com a porta e as janelas abertas, nem andar pelos arredores, indicando hotéis, lojas, bares e restaurantes a quem chegava. Levava meu fiel cachorro vira-latas Tufão — branco com manchas pretas e alegria da meninada — pelas avenidas de chão batido, enlameadas pelas chuvas, ouvindo a música dura e ritmada dos geradores, que garantiam a iluminação enquanto as obras da Usina Hidroelétrica de Saia Velha não fossem concluídas. Aqui um gerador potente, ali outro fraco, mais adiante uma casa iluminada com lamparina, outra com lâmpada de gás e assim as cores das luzes pintavam as sombras ora de azuis, ora de diferentes tons de amarelo, branco ou cinza.

Sobretudo nos primeiros anos, como havia poucos prédios e, portanto, poucas luzes, que somente se iluminavam com os geradores durante algumas horas, em geral os donos desligando-os antes das dez da noite, e como nem todos os prédios possuíam gerador, o céu era um chão de estrelas quando chegava a lua nova. Não aponte com o dedo que pode criar verrugas, avisava tia Francisca e então me mostrava as Três Marias e o Cruzeiro do Sul.

Lembro-me das vezes em que caminhava pelas avenidas tarde da noite, quando a Cidade Livre deixava de dormir, ficando suas lojas abertas para fornecer mercadorias de madrugada à medida que Brasília era construída em ritmo frenético, e eu presenciava, então, tocadores de viola ou batucadas nos bares ou ainda serenatas em frente às casas em noite de luar.

Às vezes Tufão traçava o caminho, e eu seguia-o pela feira e avenidas, ouvindo pelos alto-falantes os anúncios de filmes e de oportunidades de trabalho, baiões, xaxados e sermões. Quando novinho, Tufão gostava de visitar o sapateiro, Seu Albuquerque de Pinho, porque farejava a sola, a cola, a tinta e a graxa, e bem mais tarde, no início de 1959, invariavelmente queria entrar no Açougue Progresso, do Seu George Reisman, ou no Açougue do Bom Jesus para tentar roubar algum pedaço de carne.

A maior atração da cidade, motivo de orgulho para mim, era sua feição de faroeste, uma cidade de cinema americano, que, como dizia papai, inexistia em outros recantos do Brasil. Como era para ser provisória e seria destruída quando Brasília fosse inaugurada, todas as casas e barracos, em geral cobertos com telhas de amianto, zinco, chapas de alumínio ou com palha, tinham de ser de madeira. Por isso os incêndios, que se alastravam rapidamente e que eu presenciava também no campo, onde todos os anos, e de veneta, a vegetação pegava fogo e depois brotava envergonhada, com medo de crescer.

Ainda em 1957 papai me matriculou numa turma de trinta e três alunos no Instituto Batista, um prédio com tábuas de madeira laterais, telhado de duas quedas e uma única sala de aula, a primeira escola particular da Cidade Livre, mas logo me transferiu para uma escola pública e muito maior, o Grupo Escolar Número Um, ou GE-1, no núcleo habitacional e administrativo que, por ter sido a primeira localização da Novacap, veio a ser chamado de Velhacap, onde também se localizavam o restaurante do SAPS, do qual tia Francisca passou a ser fornecedora, e o presídio da GP, Guarda Policial da Novacap, depois GEB, a temida Guarda Especial de Brasília, que, segundo uma das versões, podia ter sido a responsável pela morte de Valdivino, se era que de fato Valdivino estava morto.

Papai envaidecia-se por ser a escola um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer executado em apenas vinte dias, uma caixa de sapatos comprida suspensa por pilotis inaugurada em 21 de setembro de 1957 pelo próprio JK, que um mês depois plantou no quintal a Cabralia Cangerana, ainda raquítica, que eu venerava como a um deus de uma religião indígena. Na época eu não notava a pobreza daquele quintal onde organizávamos nossas festas, talvez porque o sol frequentemente avivasse suas cores e alegrasse sua parca ramagem. Eu acordava às seis e meia da manhã para ir à escola, levava comigo meu sono e ignorância e, quando não era despertado pelas estripulias que fabricávamos, fazendo voar aviões de papel ou passando desenhos e bilhetinhos de um a outro, chegava a dormir sobre a carteira do fundo da sala, até voltar às duas horas para casa.

Como nos acampamentos da Velhacap havia mais famílias, eu via mais mulheres e meninas na rua do que na Cidade Livre. Por causa da menina de tranças pretas que passava numa bicicleta de homem, desenvolvi meu sonho de possuir uma bicicleta. Se pedalasse ao lado dela na Avenida Central da Cidade Livre, ela me olharia com seus olhos negros e sorriria para mim, eu a abraçaria, tão linda que ela era, seria minha primeira namorada. Pedi, então, uma bicicleta de presente a papai; viria sozinho à escola de bicicleta e encontraria a menina de tranças, tinha ouvido falar que as mulheres gozavam roçando seus prazeres nas selas das bicicletas, e eu estaria ao lado dela, pedalando, pedalando, ela sorriria novamente para mim, desceríamos de nossas bicicletas e nos beijaríamos apaixonadamente como nos filmes que tia Francisca me proibia de ver.

Quando eu tirava boas notas, voltava a pedir a papai uma bicicleta de presente, presente que nunca chegava, mas em compensação papai me premiava levando-me aos domingos aos programas de calouros na Rádio Nacional, onde, no auditório repleto, assistíamos a apresentações de palco, ou então íamos ao jogo de futebol e torcíamos pelo Guará, time que disputava campeonatos com vários outros que traziam o nome de firmas construtoras, e depois do jogo, assistíamos a um filme no Cine Brasília, localizado no bloco do meio, ou ainda no Cine da Condessa ou no Cine Bandeirante, depois do mercado e perto de um dos extremos da cidade.

No exato extremo oposto, já um pouco despegado da cidade, ficava um lugar que eu apenas imaginava, pois aproximar-me dele era a maior das proibições que tia Francisca erguera para mim. Eu sabia que papai às vezes frequentava aquela zona de prostituição, conhecida como Placa da Mercedes, e tornou-se sócio de um homem corpulento e de bigodes que tinha negócios por lá. Como é que você se mete com um sujeito desses? um dia lhe cobrou tia Francisca, Há muito ele abandonou o bordel, Francisca, o negócio dele é construção, Sei não, não me cheira bem. Eu pressentia que tia Francisca estava certa e mais tarde também achei que aquele sujeito, numa das versões possíveis, tivera algum envolvimento com o assassinato de Valdivino, se é que assassinato houve.

Introduction: Seven Nights and a Funeral

Excerpt from the novel Cidade Livre (Free City), by João Almino, 2010.

Translation by Alison Entrekin

At one stage I thought about getting rid of everything I had researched and written, leaving my memories, fears and preoccupations for a book of memoirs, in which I would talk not only about my childhood in Cidade Livre, or Free City, the settlement that had shattered the silence that had prevailed on the plateau for millenniums, but also my interest in journalism, how I had met my current wife and the birth of my three children, relegating my research to articles so I could concentrate on my father’s words, words I later corrected after a talk with Aunt Francisca at his funeral.

But no, my account remained a mixture of my memoirs, my father’s, my research and Aunt Francisca’s observations, and I made the mistake of giving it to a writer who emptied it of commas and periods, filled it with slang and scenes of violence, told me I needed to give it a moral and philosophical dimension, and even enquired if it contained some kind of lesson, which I thought absurd and decided to send it to the publisher as it was, without morality, philosophy or lesson, to be later annoyed by the polite reply that it didn’t fit their editorial line.

I thought about selling my car so I could self-publish it, cut out the flourishes and reestablished my commas and periods, because I didn’t have time for stylistic filigrees and I do think it’s an advantage to be a journalist: of Lucrécia looking at a bird I will never say that the wind sighed sweetly in her face, or that her beauty was graced with tender smiles, or that her eyes gazed long into the immensity of the Cerrado or fluttered with the bird through the red grasslands. When I was halfway through, a critic who claimed to be my friend found fault not only with my style, but also the content, This experiment of yours is going to be a debacle, he announced, and I attributed his prophecy to a political divergence, because we were on opposing sides. He thought I was backwards and even now passes me without a greeting, but I owe him the suggestion to create this blog and publish the story here, bit by bit, like a nineteenth-century newspaper serial – which saved my car.

I do not presume to know everything that took place in those times. I may have erred, written too much or too little, memories and research being flawed and incomplete, as you all know. Better, then, to confess straight up that I have forgotten many facts and the ones I do remember I don’t always remember with certainty or precision, which is why this is a text to be modified by readers, almost as if I’d created a Wikipedia entry for this story, the only rule being that I alone can fiddle with my memories, and those of my father and Aunt Francisca. The rest — the description of the facts that makes us feel we belong to the spirit of a time — you blog readers may correct as you wish and, if anyone has something to add or a comment to make, please do not hesitate to do so.

During the process, I added a few personal opinions here and there and corrected what I knew based on what had been published about Brasília until this year, 2010, in so doing becoming deeply indebted to Isaías P. Ferreira da Silva Junior, whose work thoroughly analyses the flora and fauna, the first inhabitants, and details the construction of Brasília — a work that is at once that of historian, anthropologist and sociologist. He, in turn, is even more indebted to many, many others, who, through historical accounts, sociological and anthropological analyses, memoirs, eye-witness reports, testimonials in newspapers, articles, columns, poems, short stories and even novels, sought to present a panorama of the worker’s settlement Cidade Livre (later renamed Núcleo Bandeirante), back when Brasília was being built.

It was in my father that I found the inspiration to publish this book, because back when he was trying to reconcile his growing interest in civil construction with his work as a journalist, he’d tell me that writing also entailed construction and that we went along laying brick upon brick, and it was with this in mind that I took up his journalist’s torch many years ago, and that I now rearrange the bricks to present this account in its current form.

Finally, I would like to thank João Almino for his revision. I met him in 1970 when he first set foot in Brasília, and it was he who encouraged me to begin writing this story. So far this is the only paragraph you blog readers have commented on — you just have to know what my name is, or at least if I am João Almino or not, as if the story’s meaning changed depending on the author, but never mind. I shall maintain my anonymity for the simple reason that it gives me more freedom, above all freedom to be sincere.

J.A.

Excerpt of First Night: From A to Z:

When I was a boy, I wasn’t afraid of staying home alone with the door and windows open, or walking through the streets, recommending hotels, stores, bars and restaurants to people arriving. I’d take my faithful mongrel dog Typhoon – white with black spots and the delight of the local kids – through the dirt streets, muddied by the rain, listening to the hard, rhythmic music of the generators, which provided lighting while the Saia Velha Hydroelectric Plant was under construction. Here a powerful generator, there a weak one, further along a house lit by an oil lamp, another with a gas lantern, and the lights painted the shadows now blue, now shades of yellow, white and gray.

In the early years especially, since there were few buildings and, thus, few lights, which were only lit by generators for a few hours (the owners generally turned them off before ten at night), and not all of the buildings had generators anyway, the sky was strewn with stars at each new moon. Don’t point or you might get warts, Aunt Francisca would warn me before showing me the Belt of Orion and the Southern Cross.

I remember walking through the streets late at night, when Cidade Livre didn’t sleep, its stores staying open to supply merchandise all night long since Brasília was going up at a frenetic pace, and I’d hear folks playing the viola and drum beats coming from bars and serenades in front of houses on moonlit nights.

Sometimes Typhoon chose our route, and I’d follow him through the market and streets, listening to loudspeakers blaring ads for movies, job opportunities, foot-stomping music from the northeast and sermons. When he was a pup, Typhoon liked to visit Mr. Albuquerque de Pinho’s cobbler’s shop, where he sniffed the soles, glue, dyes and shoe polish, and much later, in early 1959, he invariably wanted to go into Progresso or Bom Jesus butchers’ stores to try and pilfer a piece of meat.

The settlement’s main attraction, in which I took pride, was that it looked like something out of the Old West, a town in a Western, which, as my father used to say, didn’t exist anywhere else in Brazil. Because it was intended to be temporary and was to be knocked down when Brasília was inaugurated, the houses and shacks, most covered with asbestos or zinc tiles, sheets of aluminum or straw, all had to be made of wood. Hence the fires, which spread quickly and which I also saw in the countryside, where, every year, out of the blue, the vegetation would catch fire and then sprout bashfully, afraid to grow.

In 1957 my father enrolled me in a class of thirty-three students at the Baptist school, a building with wood-paneled walls, a pitched roof and a single classroom, the first private school in Cidade Livre, but he soon transferred me to a much bigger public school, School Group Number One, in the habitational and administrative division that came to be known as Velhacap, or “Old”cap, because it had been the first location of the government building authority Novacap, or “New”cap. The Novacap cafeteria, which Aunt Francisca came to supply, was also situated there, as was the prison run by the Novacap Police Guard, later Brasília’s feared Special Guard, which, according to one version, may have been responsible for the death of Valdivino, if, indeed, Valdivino was dead.

My father was proud of the fact that the school had been designed by architect Oscar Niemeyer and built in just twenty days. The long shoebox raised on pilotis was inaugurated on September 21, 1957, by President Juscelino Kubitschek himself, who, a month later, planted a still rachitic Cabralea canjerana tree behind the school, which I venerated like a god from an indigenous religion. At the time I didn’t notice the poverty of that yard, where we organized our parties, perhaps because the sun frequently deepened its colors and lent cheer to its sparse branches. I’d get up at six-thirty in the morning to go to school, taking with me my drowsiness and ignorance and, when I wasn’t jolted awake by our mischief, throwing paper planes and passing drawings and notes around, I’d sometimes doze off on my desk at the back of the room, until two o’clock, when it was time to go home.

Because there were more families in the Velhacap settlements, I saw more women and girls in the streets than in Cidade Livre. My dream of owning a bicycle came about because of a girl with black braids whom I’d see riding past on a man’s bicycle. If I rode beside her down the main street of Cidade Livre, she’d look at me with her black eyes and smile at me and I’d take her in my arms, so lovely, and she’d be my first girlfriend. So I asked my father to buy me a bike. I’d ride to school alone on my bike and find the girl in braids. I’d heard that women pleasured themselves by rubbing their privates on bike seats, and I’d be next to her, peddling, peddling, and she’d smile at me again, then we’d get off our bikes and kiss passionately like they did in the movies that Aunt Francisca forbade me to watch.

Whenever I got good grades, I’d ask my father for a bike again, but it never came. He rewarded me, however, by taking me on Sundays to Rádio Nacional, where, in the full auditorium, we’d watch singing competitions broadcast live, or we’d go see a soccer match. We supported Guará, a team that played in championships with many others named after building companies, and after matches we’d catch a movie at Cine Brasília, located in the middle block, or the Countess’ Theater, or else Cine Bandeirante, after the market and near one end of the settlement.

At the exact opposite end, a little ways out, was a place I only imagined, since Aunt Francisca had strictly forbidden me to go anywhere near it. I knew my father sometimes frequented the red-light district, known as Placa da Mercedes, and he became partner to a corpulent man with whiskers who had businesses thereabouts. How is it that you go and get involved with a sort like that? Aunt Francisca demanded to know one day, He gave up the brothel a long time ago, Francisca, he’s in construction, I’m not so sure about that, there’s something fishy about it. I sensed that Aunt Francisca was right and later I too thought that the guy, in one possible version, had been involved in some way with Valdivino’s murder, if, indeed, there had been a murder.

Pasaje # 1 de Cidade Livre – João Almino. Traducción al español por Aileen El-Kadi

Página 21 a la 27

Cidade Livre, novela de João AlminoEn el estado en el que estaba y ya con ochenta años, papá, cuando se olvidaba de un detalle, inventaba otros y hasta fabricaba fechas precisas, pero yo también fui testigo de muchas cosas cuando viví en la Ciudad Libre de los seis a los diez años de edad, antes de mudarme con tía Francisca a una de las casitas de la W-3 Sur en el Plano Piloto, y podía, por lo tanto, completar y corregir la memoria de papá con la mía, bastando, para empezar a construir la historia, rellenar las frases secas que oía de él con sol, polvo, lágrimas y miedo, y también con todo lo demás con que debía hacerse una historia de la Cuidad Libre: con máquinas y tractores, con hormigonera, excavadoras, motoniveladoras, rollos Tander, usinas volumétricas, grúas, con estacas Franki perforando el suelo, con simples tablas de madera y también con noches, bares y prostitutas. Una historia que yo podía contar como epopeya de hombres y máquinas creando una nueva ciudad, candangos[1], muchos candangos, sobretodo hombres que llegaban sin sus mujeres con la esperanza de ser contratados en las empresas constructoras, trayendo valijas de madera y atados de ropas, una jarrita de aluminio y un cuchillo atados al cinturón, como era la costumbre de Valdivino.

Hace seis meses que murió papá y que decidí concluir el libro, meses que a veces han cubierto de luto estas palabras, y que otras me han ayudado a excavar del olvido algunos brillos de vida, mientras recojo frases en el desierto, a tal punto que mis amigos del periódico notaron mi indiferencia con las discusiones políticas del momento – justo yo, que ya fui tan inconformado y combativo. Mi vida transcurre en dos planos distintos: llevo los chicos a la escuela, llamo al plomero para arreglar el grifo de la pileta, limpio la piscina y, al mismo tiempo, es como si estuviera viviendo en un mundo otro, de historia única y eterna, que aún no conozco completa y que yo mismo voy intentando componer.

Con este capítulo casi escrito y otros a camino, llenos de notas y partes ya escritas, me quedo sentado a la mesa del balcón, apoyando mis codos en su tablero de vidrio, fumando mi pipa, tomando café o bebiendo Campari, oyendo sapos al principio de la noche, recordando otros sapos, y de repente una mortaja cubre todo, hasta el bello paisaje frente a mí, y esta historia comienza a avinagrarse. Paro, respiro el aire de allá afuera, veo las luces de la ciudad brillando sobre el lago, hurgo en otros rincones de los recuerdos y sigo noche adentro, desbastando caminos de inquietud, a veces por horas y horas sin avanzar una línea. En otras, trato de contener el raudal de palabras que bajan desorganizadas de un fuerte recuerdo, como cuando me contaron detalles de la posible muerte de Valdivino, me sentí traicionado por tía Francisca y salí de casa peleado con papá. Lo peor es que hasta ahora el blog no sirvió para nada, ningún seguidor, ningún comentario útil, tal vez porque yo quiera esconder la verdadera razón para estar aquí escribiendo, razón únicamente mía, de quien trata de disfrazar en las palabras el sufrimiento y el martirio humano, de quien fue abandonado por todos los dioses y aun así espera por el renacimiento y el descubrimiento, de quien se siente culpable por la muerte de su padre. Sin embargo no quiero hablar de mí, no soy tan loco como dicen los médicos, no soy paranoico ni estoy fantaseando nada, mi locura fue apenas temporaria, y ya de eso hace muchos años.

Hubo una época en que yo tenía ocho años y en el que papá era mi modelo de gran hombre, severo y justo en las decisiones; una época en la que él era culto, inteligente, sabía de todo y me trataba como un hijo de verdad, su autoridad exprimiéndose en los gestos enérgicos y en las frases cortas. Las desgracias que lo habían golpeado antes de venir a la Ciudad Libre no lo habían amargado. Pero no lo conocí de una sola vez, la imagen que de él hice se fue componiendo a lo largo de los años e, incluso ahora, después de su muerte, aún no está completa. De una novela se esperaría que no hubiese dudas sobre los contornos morales de los personajes principales o sobre hechos decisivos de sus vidas, y por eso por suerte no fabulo y debo contentarme con lo que sé. ¿Para qué tratar de corregir en el papel lo que en la vida estuvo equivocado? ¿Para qué forjar una respuesta para aquello que se presenta apenas y siempre como incógnita?

Si yo pudiera seguiría la charla con papá. Lo extraño, y mi corazón mezcla sentimientos que no deberían estar mezclados, de ternura y odio, mientras me quedo dándole vueltas a sus palabras, y un viento fuerte golpea las palmeras, secreteando suposiciones y ayudándome a martillar el teclado de la computadora.

Miro hacia el fondo del jardín, donde, en el oscuro, árboles bajos, que planté hace un año, se agitan nerviosas. Veo un bulto. Papá!, llamo. Silencio. Aún oigo su voz, como eco, allá en el fondo de mi miedo. ¿Qué dice? Repite la versión de Íris: Valdivino nunca se murió. Ya no protesto, la rabia de antiguamente, revisitada, sólo es recuerdo de rabia, acepto lo que me dice, con su voz frágil y enferma, cargada por el viento. Papá!, lo llamo nuevamente y me caen lágrimas de los ojos, mientras gira en mi cabeza un torbellino de imágenes, de ideas y de sentimientos contradictorios, y entonces me veo niño, el chico llorón de quien tía Francisca se quejaba, antes de acariciarlo en su falda.

Justo después que se apagaban las luces del generador, yo cerraba los ojos, nunca lograba ver el bicho del sueño que tía Francisca me decía que venía a ponerme a dormir y temía que Valdivino se me apareciera y me culpara por su muerte. Los chicos tienen esas cosas, él se aparecía en mi miedo con su modo tímido y supersticioso, haciendo sus preguntas sin sentido, llorando por cualquier cosa, llorando tanto en uno de mis sueños que a mí alrededor se formaba un charco de lágrimas, y aún así yo no me emocionaba. ¿Pero estaría muerto?

Mi insomnio de hoy es la prolongación de aquellas horas cuando, en la oscuridad de la noche, oía ruidos de borrachos por la calle, los ladridos de mi perro Tufão, las araras que vivían en el fondo de la casa o algún búho solitario, y abría los ojos para el caleidoscopio de grises y negros que dibujaban monstruos en las paredes.

Para dar vida a la historia, bastaba transportarme a un día de mi infancia, imaginarme en medio a una avenida de la Ciudad Libre, y entonces vería a mis tías desfilando sus formas y morisquetas, Valdivino sentado en frente a una mesita transcribiendo cartas, papá conversando en la puerta de un bar, una niña de trenzas y ojos negros andando de bicicleta, Tufão siguiéndome, y vería el colorido de las tiendas, los edificios de madera, coches gorditos y negros estacionados en la banquina con sus ruedas exhibiendo círculos blancos, y entonces subiría un olor a gasolina, a aceite, a basureros y bosta de caballo, y aparecerían en pantalla grande y a colores historias de crímenes, pecados, desesperaciones y grandes futuros.

Miro hacia un día de mi infancia y veo tres personajes masculinos conversando en frente a nuestra casa, para donde tía Francisca acaba de traer algunas sillas, y ni siquiera necesito describirles la casa de madera y sin vereda igual a tantas otras que se ven en las fotografías de aquellos tiempos, frente a la cual, les iba diciendo, los tres personajes conversan conversaciones silenciosas, gesticulan frases, enuncian palabras que no oigo o, si oigo, no entiendo y, si entiendo, no me interesan, uno de ellos de rostro oval, blanco y bien afeitado, con alguna marca de disgusto, mirada aguda y jocosa, expresión de hombre exitoso, que acumuló experiencias por la vida. Tufão está sentado a su lado, oyendo las charlas con la oreja parada. Es papá.

El segundo, con las manos para atrás de las cuales cuelga un sobrero, tiene un cuerpo musculoso y bien moldeado, aire firme y franco en su rostro quemado por el sol, bigotes bien recortados, y quien lo mirase sentiría envidia de su apariencia feliz. Es Roberto, cuando aún no se sabía si sería novio de tía Francisca o de tía Matilde.

El tercero, de una simplicidad tosca, con un sombrero demasiado grande para su pequeña cabeza, es hablador, parece inteligente y es el único con espuelas en las botas, habiendo llegado montado en un burro, pero, si atrae mi atención, es por su fragilidad. Cuando saca las manos de los bolsillos, gesticula sin parar, se mueve para el frente y para atrás sobre sus piernas de cabrito y da la impresión de que saldrá volando si soplado por el viento. Los otros dos, cuando pasan por él, lo miran de arriba abajo. Por la descripción ustedes ya habrán adivinado: es Valdivino.

¿Qué nostalgia es esa que sentimos de una felicidad inventada por el recuerdo? No, no es de hoy mi desconfianza ni mi duda, que estaban ya ahí desde mis tiempos de niño, pero tuve que esperar varios años para percibirlas. Mis deseos cambiaron, mis aspiraciones son otras, fui exitoso antes de perder casi todo, pero las horas pasan de la misma forma en otros relojes, y el sol, delante de las construcciones que llenaron el paisaje, pinta con los mismos colores la mañana e igualmente los esconde en el crepúsculo. Usted, mi único y fiel seguidor del blog, tiene razón, ¿por qué revolver en lo que está quieto y olvidado?

En aquella primera noche en la que reencontré a papá para quitarme mis dudas, él negó el asesinato de Valdivino, era delicado para mí resucitar la antigua sospecha, y era mejor, me dijo, creer en la versión de la profetisa del Jardim da Salvação, Íris Quelemém, que Valdivino no se había muerto y que tal vez no se muriera nunca, fuera siempre un insomne y un sonámbulo, aún andaba suelto, caminando día y noche por la floresta, en busca de Z, la ciudad perdida. Deja eso, João, son aguas pasadas.

A veces, cuando me quedaba ensimismado en mis devaneos, me invadía la memoria nuestra vida en la Ciudad Libre, hecha de lugares y escenas, así como de historias de papá, de mis tías y de otros personajes a nuestra vuelta –entre ellos, principalmente Valdivino–, las cosas, los hechos y personas de mi infancia exhibidos como en una enorme fotografía de familia o como en un tablero distante donde la variedad ya se había deshecho en la uniformidad impuesta por el tiempo. Solamente papá podía, por primera vez, reorganizar las piezas de aquel tablero y retirar de la inmovilidad mi memoria. Es que él no está muerto, nadie lo mató, me contestaba papá, está viajando o apenas durmiendo, como dijo Íris.

————-

Pasaje # 2 “Segunda noche: De cuerpo y alma”

Página 61 a la 67

Cidade Livre, novela de João AlminoEn la segunda noche, cuando busqué a papá para completar mi historia de la Ciudad Libre, él me recordó, entre cuatro paredes de un blanco sucio, , que, pocos días antes de la inauguración de Brasilia y, por lo tanto, del supuesto asesinato de Valdivino, había reunido todo lo que hubo escrito desde que llegamos en 1956, juntando allí también declaraciones que él pudo recoger de gente famosa sobre la ciudad en construcción, y escribió un artículo, su primer artículo, con el cual pretendía marcar la fecha.

Creía que había llegado, con Brasilia, su momento de gloria, sobre todo porque, desde abril del año anterior, después de intentos frustrados, había logrado obtener algún reconocimiento de la asesoría del presidente para su actividad de acompañar los visitantes ilustres, recibiendo la autorización para hacerlo en dos ocasiones, cuando habían estado en Brasilia el primer ministro cubano, Fidel Castro Ruz, y el escritor y ministro de Cultura de Francia André Malraux. Había preparado, entonces, aquella materia que, en un papel amarillento, encontré entre los documentos desenterrados, y la había enviado a un periódico carioca[2] y también a A Tribuna, un semanario que había sido fundado en la Ciudad Libre en 1958.

Papá no lograba pillar ni una sola frase de la charla entre JK y Fidel Castro, en la biblioteca del Palacio de la Alvorada, en el día 13 de abril de 1959, y lo que le había servido de base a su artículo fue el relato de JK que había oído de terceros y transcripto minuciosamente en uno de los cuadernos Avante que consulté. Hizo muy bien, decía, asertiva, tía Matilde, a propósito de Fidel, al leer que JK no había podido dialogar con él sobre la Operación Pan-Americana, porque él, en palabras de JK, “no comprende el diálogo”, “es hombre de monólogos”, había hablado durante dos horas sin parar, y, cuando el presidente brasileño intentó interrumpirlo para el almuerzo a la una de la tarde o amagaba con levantarse, Fidel lo tomaba del brazo y hablaba con más vehemencia, lo que hizo con que el almuerzo terminara tres horas después. El presidente debería haber aprovechado para aprender al menos el abecé sobre el comunismo y la revolución cubana, provocaba tía Matilde, a lo que papá contestaba, Pero yo oí en la radio, una semana después que Fidel se fue de aquí, que él en los Estados Unidos aclaró el mal-entendido diciendo al vice-presidente Nixon: “yo sé que el mundo piensa que somos comunistas, y yo he dicho muy claramente que no somos comunistas; muy claramente” – papá enfatizaba con su tono de voz las palabras “no somos” y “muy claramente”, Pero eso fue en la prehistoria, retrucaba tía Matilde.

Creo que fue por aquella época que tía Matilde empezó a tomarle el gusto a la idea de revolución, influenciada por Roberto y acompañando las noticias sobre las coaliciones campesinas del nordeste, y, si bien en aquella época yo no entendía sus puntos de vista, un día llegaron a sellar mi cercanía con ella. Tía Francisca buscaba alejarla de aquella idea, Quieren destruir todo, quitarle a unos para darle a los otros, Y tú, que eres tan religiosa, deberías estar de acuerdo, pues es eso lo que enseña la religión, No con destrucción ni con violencia, no es quitándole a la fuerza del que tiene, Yo quería ver una revolución, decía yo, a lo que papá replicaba, No digas tonterías, João, esas son locuras de tu tía, las leyes deben ser respetadas, para eso existe el derecho de propiedad, nadie me va a tomar lo que tengo, Pero tú no eres latifundista, no tienes a que temerle, afirmaba tía Matilde, En una revolución, ni Roberto se salvaría, iría a ser guillotinado, como en Francia, preveía tía Francisca, Los tiempos son otros, decía tía Matilde, Bueno, sería fusilado, corregía tía Francisca, eso es de la boca para fuera, es teoría, ella no puede estar hablando en serio, hace eso para provocarnos, ella tiene una vida cómoda, no querrá perder su comodidad, provocaba papá, La familia de Roberto tiene tierras, entonces esa su postura es puro bla-bla, él no querrá perder herencia, quiere apenas divertirse y divertirnos con sus ideas, agregaba tía Francisca.

Cuando hablaba de revolución, Roberto discrepaba con tía Matilde, pues para él la economía no estaba en colapso ni el Estado en completa falencia, no vivíamos la crisis final del capitalismo, ni la corrupción era tan grande así, él le tenía simpatía al gobierno, No se puede creer en todo lo que andan diciendo por ahí, Matilde, dime ¿quiénes son los corruptos? Estamos en un bote agujereado, Roberto, insistía tía Matilde.

Es cierto que, día más día menos, aquí también habrá una revolución, concluía tía Matilde. Sería una desgracia, afirmaba tía Francisca. Los capitales desaparecerían, se terminaría la industria, entonces sí que la economía se iría al infierno, ¿de qué sirve distribuir pobreza?, argumentaba papá, a quien lo que importaba eran sus propias cuentas: si salía lucrando, la economía y el país iban bien. Podría ser al principio, pero después llegaría el progreso, como sucedió en la Unión Soviética, respondía tía Matilde. El comunismo nunca prosperaría en Brasil, nuestro carácter no es para eso, contestaba tía Francisca. En aquella época yo me sentía más cercano a tía Francisca de que a tía Matilde y creía que tía Francisca, y no tía Matilde, tenía razón, exactamente lo contrario de lo que ocurrió años después, cuando, ya adulto, reencontré tía Matilde en circunstancias que un niño aún no podía imaginar.

El artículo de papá, que no reflejaba toda la riqueza de aquella discusión, reproducía la frase que Fidel, según contó JK, habría pronunciado con cierta emoción en el helicóptero a camino del aeropuerto al ver desde lo alto la ciudad en construcción: “Es una felicidad ser joven en este país, presidente.” Ya los discursos de André Malraux, del 25 de agosto de aquel mismo año de 1959, papá pudo transcribir casi en su totalidad, en ellos citando que Brasilia era “la ciudad más audaz que Occidente había concebido” y “la primera de las capitales de la nueva civilización”. En el mismo artículo, papá daba a entender que había acompañado a Georges Mathieu en la visita que este pintor francés hizo a Brasilia el 17 de noviembre de 1959, cuando se refirió a la construcción de Brasilia como “el nacimiento de un milagro” y “una de las mayores epopeyas de la historia de los hombres, tal vez la mayor… si Valéry hubiera visto Brasilia, tal vez dudaría de la mortalidad de las civilizaciones. Después de siete siglos, en el curso de los cuales la búsqueda de evidencia nos ocultó la verdad, nuestro Occidente reencuentra el camino de su verdadera vocación, por la ruta de Brasilia. ¡Nunca el mundo tuvo tantas razones de esperanzas como tiene hoy con ustedes, brasileños!” Finalmente, papá concluía su artículo citando las palabras que el crítico de arte José Gudiol había pronunciado en septiembre de 1959: “Brasilia no es apenas el mayor emprendimiento llevado a cabo en nuestro mundo, sino un intento loable para hallar el camino de la libertad internacional de la humanidad.” Aquella era la meta mayor, repetía papá a tía Matilde, cuando ella lo provocaba con sus críticas: la libertad internacional de la humanidad. ¡Y yo creía en eso!, decía ella, irónica.

La materia no tuvo repercusión, pero explica porque papá logró ser invitado como periodista a la inauguración del primer gran periódico de Brasilia y también a la fiesta que tendría lugar en el Palacio del Planalto en la noche del día 21 de abril.

Un día antes de la inauguración, en la mañana en que me desperté soñando con los pechos de tía Matilde, papá me había obligado a leer su artículo y me había dicho, João, un día lo entenderás, tienes que asistir a la fiesta de inauguración de Brasilia, aquí se está haciendo historia. Y entonces me dio de regalo, además de una camisa de lino blanca, un reloj, mi primer reloj –un segundero suizo marca Bulova –, para que me acordara exactamente a qué horas cada ceremonia ocurriría. Esto jamás se repetirá, pon atención a todo lo que sucederá en esos próximos dos días, lo entenderás, este regalo es mejor que una bicicleta –y luego me imaginé exhibiéndolo a la niña de trenzas en una calle de Velhacap.

Otras veces papá me había recomendado que grabara fechas que él consideraba marcos de construcción de la ciudad o entonces me decía, João, grábate esta historia, y narraba hechos de los cuales se había enterado, como cuando Sayão le contó que los Estados Unidos le había pedido a la Novacap una excepción para que su lote número 1 pudiera ser mayor que los otros, y, para evitar celos, se determinó no sólo que todos serían iguales, sino también que el del número 1 pasaría a ser el de la Santa Fe, por ser Brasil un país católico, el de número 2 le correspondería al descubridor y colonizador de Brasil, Portugal, y el de número 3 a los Estados Unidos, primer país que había reconocido al Brasil independiente.

Esta vez papá quería que yo cronometrara el desfile de todos los acontecimientos del día. ¿Puedo llevar a Tufão? No, habría una multitud, y Tufão se perdería, era mejor dejarlo en casa, donde en un rincón pondríamos agua y comida, que no me preocupara, él no se escaparía.

Mi memoria puede fallar, pero en aquel día 20 de abril me acuerdo de Valdivino en los mínimos detalles, en su voz mansa y en su modo frágil y delicado de ser. A las cinco de la tarde, fui con él, papá, tía Matilde y Roberto a presenciar la ceremonia de entrega de las llaves de la ciudad por el presidente de la Novacap, Israel Pinheiro, al presidente JK. Valdivino, inquieto, aguardaba la presencia de la mujer de su vida, de quien siempre creaba misterio y sobre quien no dejaba de hablar, una mujer más importante que el papa, la única capaz de sacramentar el nacimiento de la nueva civilización.

Fragments du roman
Hôtel Brasilia
de João Almino

Traduit du portugais (Brésil) par Geneviève LEIBRICH

Petit garçon, je n’avais pas peur de rester à la maison seul avec la porte et les fenêtres ouvertes, ni de me balader dans les environs, indiquant les hôtels, magasins, bars et restaurants aux nouveaux arrivants. J’emmenais avec moi mon fidèle Typhon, un bâtard abandonné – blanc avec des taches noires, qui faisait la joie de notre bande de gamins – sur les avenues en terre battue, boueuses à cause des pluies, écoutant la musique dure et rythmée des générateurs qui assuraient l’éclairage en attendant que les travaux de construction de l’usine hydro-électrique de Saia Velha soient terminés. Ici, un générateur puissant, là-bas un autre faiblard, plus loin encore une maison éclairée avec une lampe à pétrole, une autre avec une lampe à gaz et de la sorte les couleurs des lampes peignaient les ombres tantôt en bleu, tantôt en différents tons de jaune, de blanc ou de gris.

Surtout les premières années, comme il y avait peu d’édifices et, par conséquent, peu de lumières, qui s’allumaient seulement avec les générateurs pendant quelques heures, car en général leurs propriétaires les débranchaient avant dix heures du soir, et comme tous les bâtiments ne possédaient pas un générateur, le ciel était un tapis d’étoiles quand arrivait la nouvelle lune. Ne la montre pas du doigt, ça pourrait te donner des verrues, m’avertissait tante Francisca et elle me désignait alors les Trois Marie et la Croix du Sud.

Je me souviens des fois où je marchais sur les avenues en fin de nuit, quand la Cidade Livre cessait de dormir et que ses boutiques restaient ouvertes afin de pouvoir fournir des marchandises à l’aube, à mesure que Brasília se construisait à une cadence effrénée, et j’apercevais alors des joueurs de guitare ou de tam-tam dans les bars ou j’assistais même à des sérénades devant des maisons, les nuits de pleine lune.
Parfois Typhon indiquait le chemin et je le suivais sur le champ de foire et les avenues, écoutant les haut-parleurs annoncer des films ou des offres d’emploi, des musiques du Nord-Est et des sermons. Quand il était très jeune, Typhon aimait rendre visite au cordonnier, seu Albuquerque de Pinho, parce qu’il flairait le cuir des semelles, la colle, la teinture et la graisse, et beaucoup plus tard, au début de 1959, il voulait invariablement entrer dans la boucherie Progresso, de seu George Reisman, ou dans la boucherie du Bon Jésus, pour essayer de chiper un bout de viande.

L’attraction principale de la ville, un motif d’orgueil pour moi, était son apparence de Far-West, de ville de film américain qui, comme disait papa, n’existait nulle part ailleurs au Brésil. Comme elle était censée être provisoire et détruite quand Brasília serait inaugurée, toutes les maisons et baraques, en général couvertes de plaques en amiante, en zinc, en aluminium, ou de paille, devaient être construites en bois. C’est pourquoi il y avait des incendies qui se propageaient rapidement et que je voyais surgir aussi dans les champs, où tous les ans la végétation prenait soudain feu et avait ensuite du mal à reparaître, comme si elle avait honte et craignait de repousser.

Encore en 1957 papa m’avait inscrit dans une classe de trente-trois élèves à l’Institut Batista, un bâtiment avec des planches de bois latérales et un toit à deux pentes et une seule salle de classe, la première école privée de la Cidade Livre, mais ensuite il m’a transféré dans une école publique et beaucoup plus grande, le Groupe Scolaire Numéro Un, ou GE-1, dans la partie résidentielle et administrative qui, du fait que ç’avait été le premier emplacement de la Novacap, avait fini par s’appeler Velhacap, où était situé aussi le restaurant du SAPS approvisionné par tante Francisca ainsi que la garnison de la GP, la Garde Policière de la Novacap, devenue ensuite la GEB, la redoutable Garde spéciale de Brasília qui, d’après une des versions, avait peut-être été responsable de la mort de Valdivino, si tant est que Valdivino soit effectivement mort.
Papa était fier que l’école soit un projet de l’architecte Oscar Niemeyer exécuté en seulement vingt jours, une longue boîte à chaussures perchée sur des pilotis, inaugurée le 21 septembre 1957 par JK lui-même, lequel un mois plus tard avait planté dans le jardin la Cabralea Cangerana, encore rachitique, que je vénérais comme si cet arbre était un dieu d’une religion autochtone. À l’époque, je ne remarquais pas la misère de ce jardin où nous organisions nos fêtes, peut-être parce que le soleil en avivait souvent les couleurs et égayait son maigre feuillage. Je m’éveillais à six heures et demie du matin pour aller à l’école, j’emportais avec moi mon sommeil et mon ignorance, et quand je n’étais pas réveillé par les polissonneries auxquelles nous nous livrions, lançant en l’air des avions en papier ou nous passant mutuellement des dessins et des billets, je m’endormais sur mon pupitre au fond de la salle de classe jusqu’au moment où je rentrais chez moi à deux heures de l’après-midi.

Je m’étais fait plusieurs amis, dont j’omets les noms, afin que les rares lecteurs de mon blog ne perdent pas leur temps avec des personnes qui ne figureront plus dans cette histoire. Il suffira de dire qu’ils avaient un physique, des capacités et un tempérament fort variés. L’un d’eux, grand clown et clown de haute taille, n’avait même pas besoin d’ouvrir la bouche pour nous faire rire avec les expressions de son visage dessinées par un nez et des yeux de toucan. Un autre portait des vêtements amidonnés et mettait de la brillantine dans ses cheveux bien coiffés, je m’efforçais de l’imiter quand j’attendais à la maison la visite d’une des amies de tante Francisca, bien plus âgée que moi et à qui j’espérais pouvoir faire la cour. Un autre encore était un Noir qui aimait exhiber ses vastes connaissances en matière de gros mots, à mon grand étonnement il pouvait nommer d’une dizaine de mots différents le sexe des hommes et des femmes et il dessinait à la craie sur le sol en ciment un triangle entouré de traits, comme des rayons, C’est une chatte, disait-il. Un jour, l’institutrice a remarqué un de ces dessins par terre, elle a demandé qui en était l’auteur et je me suis dit que ce croquis représentait d’une façon digne de foi le sexe des femmes, puisque même l’institutrice l’avait reconnu. Il y avait aussi un type violent, toujours prêt à chercher querelle, qui donnait des surnoms à tout le monde et qui m’a crié un jour, Viens ici, Joli, en faisant un geste avec ses doigts comme s’il appelait un chiot, je lui ai flanqué une gifle en pleine figure, je l’ai jeté à terre, nous nous sommes empoignés et salis de boue, il saignait du nez et sa chemise était déchirée, et au lieu que ce soit lui qui doive s’expliquer, c’est moi qui fus convoqué dans le bureau de la directrice. Je n’ai pas oublié le petit gros nerveux et efféminé qui aimait réciter des poèmes en roulant des yeux et en gesticulant exagérément, ni le patapouf avec une voix de baryton qui chantait dans les fêtes de l’école, un excellent élève dans toutes les matières qui était le chouchou de la maîtresse, laquelle passait son temps à le protéger et à le féliciter. J’ai encore des nouvelles de celui-là, il est devenu avocat. Mon meilleur ami était un as en matière de sport, vigoureux, de haute taille, avec un visage large et de grandes oreilles, qui venait toujours me chercher pour jouer au foot l’après-midi. Je me méfiais de tous, sauf de lui. Il est ingénieur et habite à Goiânia. Je ne me souviens pas des autres. Quant à moi, j’étais un gamin des rues et je me distinguais juste par ma connaissance des avenues de la ville et par le fait que j’étais le plus jeune de tous. Même si je n’étudiais pas, je n’étais pas un des plus mauvais élèves de la classe et je pleurais en cachette quand tante Francisca se lamentait de mes notes en regardant mon bulletin.

Le lecteur du blog qui a protesté contre ce nouveau paragraphe constatera que j’ai procédé à la majeure partie de la révision qu’il a recommandée. Je suis d’accord sur le fait que je n’ai pas besoin de rentrer dans les détails de mon imagination d’enfant quand il s’agit du sexe des femmes, surtout si je ne réussis pas à en parler avec délicatesse. Je laisse cependant une observation fondamentale : comme dans les campements de la Velhacap il y avait davantage de familles, je voyais plus de femmes et de jeunes filles dans la rue que dans la Cidade Livre. À cause de la fille aux nattes noires qui passait sur une bicyclette d’homme, je caraissais le rêve d’avoir une bicyclette. Si je pédalais à côté d’elle sur l’Avenue Centrale de la Cidade Livre, elle me regarderait avec ses yeux noirs et me sourirait, je l’embrasserais tellement elle était jolie, elle serait ma première amoureuse. Je demandai alors une bicyclette en cadeau à papa ; j’irais seul à l’école à bicyclette et je rencontrerais la fille aux nattes, j’avais entendu dire que les femmes jouissaient en frottant leurs parties génitales sur la selle des bicyclettes, et je serais à côté d’elle, pédalant, pédalant, elle me sourirait de nouveau, nous descendrions de vélo et nous nous embrasserions passionnément comme dans les films que tante Francisca m’interdisait de voir.

Quand j’avais de bonnes notes, je redemandais à papa une bicyclette en cadeau, cadeau qui n’arrivait jamais, mais en revanche papa me récompensait en m’emmenant le dimanche aux radio-crochets à Radio Nacional où, dans une salle comble, nous assistions à des représentations, ou alors nous allions voir un match de foot et nous étions les supporters du Guará, équipe qui disputait des championnats avec plusieurs autres portant le nom d’entreprises de construction, et après le match nous regardions un film au cinéma Brasília, situé dans le bloco du milieu , ou encore au cinéma de la Comtesse ou au cinéma Bandeirante, au-delà du marché et près d’une des extrémités de la ville.

À l’extrémité opposée, déjà un peu à l’écart de la ville, se trouvait un lieu que j’avais du mal à imaginer car tante Francisca m’avait strictement interdit d’en approcher. Je savais que papa fréquentait parfois ce quartier de la prostitution, connu sous le nom de Placa da Mercedes, et qu’il était devenu l’associé d’un moustachu corpulent qui faisait des affaires là-bas. Comment peux-tu fréquenter un type pareil ? lui avait dit un jour tante Francisca d’un ton de reproche, Ça fait longtemps qu’il a abandonné son bordel, Francisca, il a une affaire de construction, Hum, je trouve ça louche. Je pressentais que tante Francisca avait raison et je découvris plus tard que cet individu, dans une des versions possibles, avait participé d’une certaine façon à l’assassinat de Valdivino, si assassinat il y avait eu.

….

Tante Matilde est arrivée de la rue, elle était sortie avec son fiancé Roberto, un ingénieur, ami de papa, tout le monde dormait déjà, elle a ouvert la porte tout doucement, évitant de faire du bruit et elle est apparue dans mon champ de vision comme un rêve dans l’obscurité de la pièce de l’autre côté du buffet. J’ai entendu le bruit que faisaient ses mains en tirant sur sa jupe très moulante, j’ai examiné lentement sa silhouette de bas en haut, ses chaussures rouge foncé à talons très hauts et à bouts pointus dont émergeaient des bas de soie couvrant ses jambes longues et bien galbées, et sa jupe commençait à glisser en comprimant ses fesses. Avait-elle remarqué mes yeux entrouverts ? Je suis resté immobile, me bornant à ajuster la direction de mon regard et de ma tête pour mieux voir la danse de son corps qui faisait des pas en avant et en arrière comme dans un quadrille, tantôt montrant son ventre, tantôt son dos, j’avais peur qu’elle n’entende ma respiration haletante, parfois une partie de son corps disparaissait de l’autre côté du meuble de la radio et je devais me contorsionner pour voir les ombres légères d’un autre vêtement tombant de son corps, ses cuisses entraient et sortaient de mon champ de vision, j’ai vu ses bras levés vers le plafond en train de retirer sa blouse et alors sa taille fine s’est montrée, puis c’étaient ses hanches qui ont commencé un jeu de cache-cache, rien que pour me provoquer, Reste nue, entièrement nue pour moi, tante Matilde ! ai-je crié silencieusement dans mon délire, et soudain, libérées des vêtements qui les enserraient, ses hanches s’élargissaient, j’ai promené mon regard sur ses cuisses épaisses qui s’effilaient en jambes fines, comme les meubles, et elle était déjà pieds nus, ses chaussures jetées dans le coin droit de la salle, elle se penchait maintenant pour les ramasser et les deux montagnes de ses fesses s’élevaient majestueusement devant moi, j’ai retenu mon souffle, mais j’ai ouvert bien grands les yeux pour regarder ce cul qui s’arrondissait encore plus sous l’effet de mon désir, Chut ! J’ai vu tante Matilde nue devant moi, un doigt sur les lèvres, me disant de ne pas faire de bruit, chuchotant, Ne regarde pas, mon garçon, et de grosses cuisses s’approchaient de moi, mes yeux étaient rivés sur la tache sombre du sexe, sur les seins que le corps incliné de tante Matilde m’offrait, Chut ! A-t-elle répété, ma colonne vertébrale tremblait, mon coeur battait fort, je sentais l’odeur du parfum de tante Matilde, nue, entièrement nue, devant moi, et si papa se réveillait ? Si tante Francisca apparaissait à cette heure dans la salle, au moment où tante Matilde nue, complètement nue, se penchait sur moi avec ses seins opulents ? Mais papa et tante Francisca dormaient et le silence de la maison était seulement brisé par ma respiration. Je me suis assis, j’ai ouvert les yeux, j’ai vu de très près les grandes cuisses blanches de tante Matilde accroupie, ses genoux frôlaient maintenant le matelas, mes yeux étaient écarquillés comme s’ils voulaient lire, apprendre et ne jamais plus oublier un seul millimètre de ce corps, Chut ! Déconcerté, je me suis frotté les yeux, à présent tante Matilde était encore plus près, j’ai senti plus fortement l’odeur de sa peau, l’air raréfié et alors les seins pointus de tante Matilde ont frôlé mon visage, montant et descendant, haletant, j’ai senti une odeur d’alcool, tante Matilde semblait joliment effrayée, ses cheveux défaits retombaient sur ses épaules. J’étais nul, je voulais agripper tante Matilde, l’attaquer comme un lion furieux, attraper son sexe, sucer avidement ses nichons qui pointaient vers mes lèvres, elle était sauvagement belle, je me suis assis sur le matelas et je l’ai regardée craintivement ; je l’ai regardée et regardée, mon regard traversant la grisaille de la nuit, c’était la première fois que je voyais une nudité aussi vaste de si près, tante Matilde s’est écartée, s’est remise debout, ses cuisses se sont dressées, longues comme des arbres, puis de nouveau, soudain, elle s’est inclinée au-dessus de moi, a placé mes mains sur ses nénés et m’a chuchoté, C’est ça que tu veux, n’est-ce pas, petit garnement vicelard, c’est ça, n’est-ce pas ? Elle a attiré ma tête avec force sur ses seins et m’a ordonné, Allez, suce ! Mes lèvres ont à peine frôlé les pointes de ses gros seins, du lait allait-il sortir de ces mamelles ? Voilà ce qui m’est venu à l’esprit, mais je n’ai pas eu de courage et je suis resté éveillé cette nuit-là, regrettant l’absence des seins de tante Matilde et le goût du péché. Le matin, tante Matilde m’a dit d’un ton sévère, Si tu t’avises de raconter ce que tu as fait à ton père, tu t’en repentiras. Je n’avais rien fait et je n’avais absolument pas l’intention de rien raconter de tout ça à papa, mais je savais que j’avais péché, que je m’étais initié au mal et qu’une punition terrible m’attendait, j’espérais avoir le temps de recevoir le pardon du curé avant de mourir et aussitôt l’enfer m’apparaissait, avec ses cavernes, ses serpents s’enroulant autour de mes jambes, ses chaudières avec leurs énormes flammes qui me consumaient, les démons touillant des chaudrons avec leurs tridents de fer chauffés au rouge, une culpabilité immense brûlait aussi fort que ce feu et m’envahissait, je me souvenais de ce que racontaient les copains quand nous sortions du catéchisme, de l’hostie se transformant en un bout de viande sanguinolente en s’approchant de la langue d’un pécheur, la colère de Dieu punissant ceux qui communiaient sans se confesser et qui pouvait se manifester sous des formes encore plus terribles, comme dans le cas du garçon qui avait été écrasé par un tracteur.

Le dimanche suivant, dans le confessionnal de l’église São João Bosco, j’omis de raconter au Père Roque, d’une voix très basse, les détails les plus peccamineux : « J’ai vu tante Matilde… » J’allais dire « nue », mais le curé trouva mon hésitation suffisante pour que je récite plusieurs Je-vous-salue-Marie, grâce auxquels Dieu pardonna mes divers péchés, celui de la vue, celui du toucher, celui du goût et surtout celui de l’imagination.

Le jour de la mort de Valdivino, si tant est qu’il soit effectivement mort, je dus rester à la maison toute la matinée et une grande partie de l’après-midi. Je n’allai même pas sur les avenues, que je supposais désertes. Je crois que ce fut cet après-midi-là – quand papa arriva inquiet et me montra le trou où il enterrait ses papiers – que pour la première fois j’envisageai d’être journaliste et d’écrire sur l’époque de la Cidade Livre, et ce fut d’une volonté comme celle de Sayão, d’un vent et d’une force, que les mots avec lesquels je pus me souvenir de ce temps-là surgirent, l’un après l’autre, arrachés au silence et à un vide profond, comme une création sortie du néant, de l’incertitude, de l’ignorance, de la dette, de la culpabilité, d’un manque. Je ne voulais rien dire, car la mémoire ne veut rien dire, elle se borne à dire au milieu de l’oubli et de ce qu’elle s’efforce d’occulter, et donc il n’y a rien à interpréter – les mots, comme les souvenirs, sont ce qu’ils sont et rien de plus. En me regardant dans le miroir du passé où parfois je ne me reconnais pas, je n’invente rien, j’écris simplement le récit de ce que j’ai vécu, qui reste comme un témoignage, parmi les nombreux qui peuvent exister, pour composer le tableau d’une époque.
Après des mois d’apprentissage avec tante Francisca, j’avais enfin réussi à jouer de l’accordéon en ce lointain après-midi de 1960. Je l’ai emporté sur l’Avenue Centrale à l’heure où un grand soleil rouge effleurait déjà l’horizon, je me suis assis sur un petit banc en plein air, Typhon qui m’a suivi s’est couché à mes pieds, j’ai commencé à jouer. Plusieurs personnes se sont assemblées autour de moi et se sont même mises à danser. Tous étaient joyeux et dansaient, sauf papa et tante Francisca. Tante Matilde est arrivée, elle m’a souri et a dit, Ce garçon nous donnera beaucoup de soucis ! Un vent fort soufflait, enflant la jupe de tante Matilde, et l’air prenait une transparence orangée. C’était encore la saison des pluies, les vents venaient donc du nord et pas de l’est et du sud-est comme en été et un liséré de boue rouge maculait nos bottes et nos souliers sur ces vastes étendues qui un jour seraient peut-être vertes.