Ideias para onde passar o fim do mundoIdeias para onde passar o fim do mundoIdeas Para Donde Pasar el Fin del MundoIdeias para onde passar o fim do mundo

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Fantasia para Plano Piloto

PASSA o letreiro, outra foto, música de fundo nostálgica. Ou “Babalu”, com Ângela Maria, ou o Cauby cantando “Conceição”. Você, eu imaginava preferindo Dolores Duran ou Antônio Maria.

Ainda não tinha decidido o clima.

Talvez um rock. “That’ll be the day”, Buddy Holly me deixando triste. Fazia tempo, Peggy Sue. Não, nostálgico mesmo era Pink Floyd, “Atom’s Heart Mother”, fumaça no ar, os amigos no chão, curtindo um som, sem palavras.

Nada sobre mim. A câmara em quem me chamasse atenção. Refletido nos outros, ia vendo, perguntando. Meu interesse me retrataria.

Assim, poucos flashes de mim, como o da foto do começo, deitado sobre o mosaico e a folha de papel almaço, o tempo de aparecerem os títulos. Tenho seis anos, minha mãe me prometeu chocolate e coca-cola se eu escrever uma frase ao lado de cada figurinha. O sol entra forte pelas duas portas altíssimas, enchendo metade da tela e enfocando a rede de palha.

Corte brusco, toda uma página em branco, travessão, parágrafo, recomeço:

Junto à música de fundo, os primeiros barulhos: motores e buzinas dos automóveis. A civilização da energia acende o alarme, e já é urgente o suspense, informação qualitativamente nova.

O filme começaria num dia de céu tão azul e sol tão amarelo quanto os de uma pintura naïve. Um de meus personagens traria de Minas suaves montanhas, casinhas brancas do século XVIII e folhas, muito verdes e muito grandes, de bananeira, para serem recortadas sobre o vasto azul.

Não. Se a história fosse a de um lugar escolhido… tempos silenciosos, paredes brancas, ninguém: uma ausência ainda desconhecida, como o universo antes de existir, diria outro dos futuros personagens. Fora as coisas dos personagens, um espaço qualquer.

Ah se esses personagens olhassem o cenário antes de entrarem em suas próprias histórias e na história de todos!

Num tempo inativo, eles se escondem em suas histórias, participam de encontros apenas seus, fazem parte de grupos que não conheço. São ilhas reflexivas como esse tempo fora da história. Compõem acasos, motivações sem sentido, tramas iniciais e causas puras.

A despeito deles mesmos, são já objeto do meu olhar de narrador que inventa as relações que esse lugar, transformado­ agora na foto de uma festa, provoca entre os presentes ou leitores: relações nascidas da casualidade, que perduram com as tramas do enredo.

No princípio seria o desconhecido, regra ou desordem ainda ausentes. Ausências inexistentes, inimaginadas. O caos e o tempo. Todas as direções. O inconsciente. A inexistência de conflito, de problema. Viria o silêncio, gerador do símbolo, do verbo, a consciência trazendo os interesses, as razões e as paixões. Surgiriam os problemas. Ou, então, tudo ao contrário ou em relações diagonais concomitantes. Ou, então, outras palavras e outras ordens. Ou não haveria princípio: só e sempre o mistério dos princípios.

A você confesso que, quando morri, me joguei em busca do começo dos começos. Despenquei do presente. Fui passear no ponto zero, na luz, na energia infinita, de há vinte bilhões de anos. Um microssegundo depois, a energia já havia baixado para algumas centenas de bilhões de volts. Ponto zero. Nenhuma fundação. Mistério catastrófico.

Calor infinito, densidade infinita, volume infinitamente pequeno. Vento da explosão inicial, que me sopra ainda agora a seiscentos quilômetros por segundo. A singularidade, fora do espaço-tempo, se desequilibrou instantaneamente, por causa de pequenos defeitos em sua superfície e, assim, eu descendo, como você, de um erro da natureza.

Detesto passear pelo universo, pois ele é já uma espécie de lixo: é a pequeníssima sobra de matéria que restou depois da reunião da matéria e da antimatéria — elétron positivo e próton negativo — produzidas simetricamente pela luz inicial. Em menos de um microssegundo, um conjunto de reações físicas criou um bilionésimo mais de matéria que de antimatéria.

No início, era a total instabilidade; no fim a completa estabilidade. No início, o hidrogênio; no fim, o ferro. Percurso determinado, com tempo infinito entre começo e fim. As estrelas formam as galáxias e estas me levam ao universo-infinito. E se não for infinito, o que está por trás do limite? Tenho espaço demais para onde me expandir. Não me repito. Assim são os fantasmas. Sem limites.

Morto, começo rendendo homenagem ao velho Machado. Não me interessa saber se começo do começo ou do fim. Não quero narrar minha morte. Não me chamo Brás Cubas. Não escrevi minhas memórias. Nem dedico meu roteiro de cinema ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver. Não é aos vermes que pertence o futuro. Sou dos que nele continuam a acreditar.

Por isso
aos ratos
meus rabiscos.

Deles é o futuro do mundo, já daqui a cinqüenta milhões de anos, segundo a teoria da evolução das espécies. Tanto mais que sou brasiliense. Não tenha você dúvida de que a Brasília pertence o futuro da humanidade, futuro desta história, pois em nenhuma outra parte haverá ratos maiores, mais belos, mais desenvolvidos que os daqui. Os ratos e as plantas secas do Planalto sobreviverão. E com eles Brasília.

Eu não começaria do fim nem do começo. Começaria do momento em que saí de um buraco negro e em que, de volta, a mim pertenciam os céus do Planalto. Daquele momento em que o meu amor podia, assim, crescer num jardim aberto e cheio de sol, já depois do inferno. Lúcifer fizera bem de sair do céu, pois o céu era o medo do prazer e da dor. Mas eu queria agora viver nesse jardim aberto, longe do inferno, que eu imaginava ser o paraíso. Se dele me expulsassem, estava persuadido de que não me caberia apenas o castigo e que me seria dada, contrariamente a Adão, a chance de me pronunciar sobre meu destino: “Preferes o céu, na paz de espírito e na companhia dos santos, ou o inferno, com todo o seu sofrimento e todos os seus prazeres, na companhia dos teus demônios?”, me perguntaria um anjo maldito. E eu, que já não teria direito à inocência do limbo, diria preferir a companhia dos demônios, porque contra estes, que temem a luz, poderia lutar à luz do dia; enquanto os santos me ameaçariam com a gélida clausura da eternidade perfeita e morta, impedindo a volta ao verdadeiro e perdido paraíso. Tudo estaria mudado, e nós, Silvinha e eu, sobreviventes da desilusão, aventureiros dos espaços infinitos, perseverando sem fé, sem medo do ridículo de amar, faríamos juntos mais um passeio pelo desconhecido.

Você me desculpe, prefiro um começo como um continho de fadas: era uma vez léptons e logo prótons e nêutrons… Uma vez, núcleons e elétrons e então átomos… Era uma vez átomos que se associavam em moléculas, que, combinadas, se transformavam em biomoléculas — açúcares, aminoácidos — que se tornavam células, que formavam os primeiros seres multicelulares, espécies de medusas, e muitos etecéteras, até que eu mesmo descendi dos macacos e um dia descenderei — de alguma forma já lhe foi explicado — dos ratos de Brasília.

Ou melhor: num dos inícios comprovados, anos antes da minha morte, flanando pelo Marais, Silvinha me mostrou a fotografia. Tínhamos parado na Place de Vosges e agora caminharíamos até seu estúdio da Île, onde eu teria a idéia de transformar aquela fotografia em quadro de filme.

No começo, uma mistura de Eisenstein com Cecil B. de Mille, Brasília em grande angular. Ao som de “O guarani”, prédios euforicamente construindo-se por escravos voluntários e modernos, operários voltados para o futuro da humanidade. E logo a tomada de cena da inauguração, JK descendo de helicóptero.

E a poeira
vermelha
das ruas
ainda nuas
cobrindo as casacas
dos altos burocratas.

Então enxergue: o verde recortado que se vê de qualquer janela anuncia, escuro, que vai chover. O barro vermelho invade as calçadas. Um raio tangencia, ao longe, a ponta da torre de televisão. Brasília não pertence aos meus personagens e nunca lhes vai pertencer. Mas é nesta cidade, com história e futuro ainda abertos, que está para surgir, vestido de fada ou de bruxa, um mito antigo, finalmente real: toda a novidade do mundo.

Assim conta a história, você me acredite: a novidade completa surgiu quando o acaso se liberou nas cidades, veloz, ameaçando acabar o mundo. Mas no Brasil ainda havia esperança: baixo um céu rosado, um anjinho de flor no peito ia finalmente chegar ao poder. Num fim de tarde, os intensos assobios das cigarras enchiam os espaços de Brasília. Lembravam a infância e advertiam que as brincadeiras de rua tinham acabado.

Esse era o começo, e o começo já era quase noite.
Não se vê na foto.
Não se vê, na foto, que o mundo atravessava sua maior crise.
Não se vê que em Brasília era como se nada estivesse acontecendo e tudo estivesse para acontecer. Enxergue, ­então.

Fantasia para Plano Piloto

PASSA o letreiro, outra foto, música de fundo nostálgica. Ou “Babalu”, com Ângela Maria, ou o Cauby cantando “Conceição”. Você, eu imaginava preferindo Dolores Duran ou Antônio Maria.

Ainda não tinha decidido o clima.

Talvez um rock. “That’ll be the day”, Buddy Holly me deixando triste. Fazia tempo, Peggy Sue. Não, nostálgico mesmo era Pink Floyd, “Atom’s Heart Mother”, fumaça no ar, os amigos no chão, curtindo um som, sem palavras.

Nada sobre mim. A câmara em quem me chamasse atenção. Refletido nos outros, ia vendo, perguntando. Meu interesse me retrataria.

Assim, poucos flashes de mim, como o da foto do começo, deitado sobre o mosaico e a folha de papel almaço, o tempo de aparecerem os títulos. Tenho seis anos, minha mãe me prometeu chocolate e coca-cola se eu escrever uma frase ao lado de cada figurinha. O sol entra forte pelas duas portas altíssimas, enchendo metade da tela e enfocando a rede de palha.

Corte brusco, toda uma página em branco, travessão, parágrafo, recomeço:

Junto à música de fundo, os primeiros barulhos: motores e buzinas dos automóveis. A civilização da energia acende o alarme, e já é urgente o suspense, informação qualitativamente nova.

O filme começaria num dia de céu tão azul e sol tão amarelo quanto os de uma pintura naïve. Um de meus personagens traria de Minas suaves montanhas, casinhas brancas do século XVIII e folhas, muito verdes e muito grandes, de bananeira, para serem recortadas sobre o vasto azul.

Não. Se a história fosse a de um lugar escolhido… tempos silenciosos, paredes brancas, ninguém: uma ausência ainda desconhecida, como o universo antes de existir, diria outro dos futuros personagens. Fora as coisas dos personagens, um espaço qualquer.

Ah se esses personagens olhassem o cenário antes de entrarem em suas próprias histórias e na história de todos!

Num tempo inativo, eles se escondem em suas histórias, participam de encontros apenas seus, fazem parte de grupos que não conheço. São ilhas reflexivas como esse tempo fora da história. Compõem acasos, motivações sem sentido, tramas iniciais e causas puras.

A despeito deles mesmos, são já objeto do meu olhar de narrador que inventa as relações que esse lugar, transformado­ agora na foto de uma festa, provoca entre os presentes ou leitores: relações nascidas da casualidade, que perduram com as tramas do enredo.

No princípio seria o desconhecido, regra ou desordem ainda ausentes. Ausências inexistentes, inimaginadas. O caos e o tempo. Todas as direções. O inconsciente. A inexistência de conflito, de problema. Viria o silêncio, gerador do símbolo, do verbo, a consciência trazendo os interesses, as razões e as paixões. Surgiriam os problemas. Ou, então, tudo ao contrário ou em relações diagonais concomitantes. Ou, então, outras palavras e outras ordens. Ou não haveria princípio: só e sempre o mistério dos princípios.

A você confesso que, quando morri, me joguei em busca do começo dos começos. Despenquei do presente. Fui passear no ponto zero, na luz, na energia infinita, de há vinte bilhões de anos. Um microssegundo depois, a energia já havia baixado para algumas centenas de bilhões de volts. Ponto zero. Nenhuma fundação. Mistério catastrófico.

Calor infinito, densidade infinita, volume infinitamente pequeno. Vento da explosão inicial, que me sopra ainda agora a seiscentos quilômetros por segundo. A singularidade, fora do espaço-tempo, se desequilibrou instantaneamente, por causa de pequenos defeitos em sua superfície e, assim, eu descendo, como você, de um erro da natureza.

Detesto passear pelo universo, pois ele é já uma espécie de lixo: é a pequeníssima sobra de matéria que restou depois da reunião da matéria e da antimatéria — elétron positivo e próton negativo — produzidas simetricamente pela luz inicial. Em menos de um microssegundo, um conjunto de reações físicas criou um bilionésimo mais de matéria que de antimatéria.

No início, era a total instabilidade; no fim a completa estabilidade. No início, o hidrogênio; no fim, o ferro. Percurso determinado, com tempo infinito entre começo e fim. As estrelas formam as galáxias e estas me levam ao universo-infinito. E se não for infinito, o que está por trás do limite? Tenho espaço demais para onde me expandir. Não me repito. Assim são os fantasmas. Sem limites.

Morto, começo rendendo homenagem ao velho Machado. Não me interessa saber se começo do começo ou do fim. Não quero narrar minha morte. Não me chamo Brás Cubas. Não escrevi minhas memórias. Nem dedico meu roteiro de cinema ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver. Não é aos vermes que pertence o futuro. Sou dos que nele continuam a acreditar.

Por isso
aos ratos
meus rabiscos.

Deles é o futuro do mundo, já daqui a cinqüenta milhões de anos, segundo a teoria da evolução das espécies. Tanto mais que sou brasiliense. Não tenha você dúvida de que a Brasília pertence o futuro da humanidade, futuro desta história, pois em nenhuma outra parte haverá ratos maiores, mais belos, mais desenvolvidos que os daqui. Os ratos e as plantas secas do Planalto sobreviverão. E com eles Brasília.

Eu não começaria do fim nem do começo. Começaria do momento em que saí de um buraco negro e em que, de volta, a mim pertenciam os céus do Planalto. Daquele momento em que o meu amor podia, assim, crescer num jardim aberto e cheio de sol, já depois do inferno. Lúcifer fizera bem de sair do céu, pois o céu era o medo do prazer e da dor. Mas eu queria agora viver nesse jardim aberto, longe do inferno, que eu imaginava ser o paraíso. Se dele me expulsassem, estava persuadido de que não me caberia apenas o castigo e que me seria dada, contrariamente a Adão, a chance de me pronunciar sobre meu destino: “Preferes o céu, na paz de espírito e na companhia dos santos, ou o inferno, com todo o seu sofrimento e todos os seus prazeres, na companhia dos teus demônios?”, me perguntaria um anjo maldito. E eu, que já não teria direito à inocência do limbo, diria preferir a companhia dos demônios, porque contra estes, que temem a luz, poderia lutar à luz do dia; enquanto os santos me ameaçariam com a gélida clausura da eternidade perfeita e morta, impedindo a volta ao verdadeiro e perdido paraíso. Tudo estaria mudado, e nós, Silvinha e eu, sobreviventes da desilusão, aventureiros dos espaços infinitos, perseverando sem fé, sem medo do ridículo de amar, faríamos juntos mais um passeio pelo desconhecido.

Você me desculpe, prefiro um começo como um continho de fadas: era uma vez léptons e logo prótons e nêutrons… Uma vez, núcleons e elétrons e então átomos… Era uma vez átomos que se associavam em moléculas, que, combinadas, se transformavam em biomoléculas — açúcares, aminoácidos — que se tornavam células, que formavam os primeiros seres multicelulares, espécies de medusas, e muitos etecéteras, até que eu mesmo descendi dos macacos e um dia descenderei — de alguma forma já lhe foi explicado — dos ratos de Brasília.

Ou melhor: num dos inícios comprovados, anos antes da minha morte, flanando pelo Marais, Silvinha me mostrou a fotografia. Tínhamos parado na Place de Vosges e agora caminharíamos até seu estúdio da Île, onde eu teria a idéia de transformar aquela fotografia em quadro de filme.

No começo, uma mistura de Eisenstein com Cecil B. de Mille, Brasília em grande angular. Ao som de “O guarani”, prédios euforicamente construindo-se por escravos voluntários e modernos, operários voltados para o futuro da humanidade. E logo a tomada de cena da inauguração, JK descendo de helicóptero.

E a poeira
vermelha
das ruas
ainda nuas
cobrindo as casacas
dos altos burocratas.

Então enxergue: o verde recortado que se vê de qualquer janela anuncia, escuro, que vai chover. O barro vermelho invade as calçadas. Um raio tangencia, ao longe, a ponta da torre de televisão. Brasília não pertence aos meus personagens e nunca lhes vai pertencer. Mas é nesta cidade, com história e futuro ainda abertos, que está para surgir, vestido de fada ou de bruxa, um mito antigo, finalmente real: toda a novidade do mundo.

Assim conta a história, você me acredite: a novidade completa surgiu quando o acaso se liberou nas cidades, veloz, ameaçando acabar o mundo. Mas no Brasil ainda havia esperança: baixo um céu rosado, um anjinho de flor no peito ia finalmente chegar ao poder. Num fim de tarde, os intensos assobios das cigarras enchiam os espaços de Brasília. Lembravam a infância e advertiam que as brincadeiras de rua tinham acabado.

Esse era o começo, e o começo já era quase noite.
Não se vê na foto.
Não se vê, na foto, que o mundo atravessava sua maior crise.
Não se vê que em Brasília era como se nada estivesse acontecendo e tudo estivesse para acontecer. Enxergue, ­então.

Vuelta 117 / Agosto de 1986

JOÃO ALMINO

Traducción de Francisco Cervantes

En lo oscuro de la noche que murmuraba, la humanidad -así, en abstracto- reclamaba el amor de Iris y la emoción era como un aceite, un brillo, una miel que la humedecía por dentro, unción divina. Abría los ojos sin miedo, su vida estaba en la claridad de las tinieblas. Salía a descubrir el infierno.

La historia marchaba de noche. Iris no sabía si llegaría a algún lugar que fuera más que puro paisaje. Se orientaba sólo por los olores del mundo, en las veredas oscuras del gran sertón.

Seguía sola, mirando las desgracias, oyendo mentiras, adivinando el sufrimiento de las expresiones silenciosas, segura ya de no encontrar nada. Lo único que lamentaba era no estar en el desierto. No sólo se sentiría el nuevo Cristo, sino que además realizaría su sueño de sermonear impunemente en el desierto. Siguió el curso de un río, que un pescador le había dicho se llamaba San Bartolomé, y a pesar de todo el paisaje no era retorcido ni tan seco.

Secas, sólo las flores, que no olían y parecía pertenecer ya a una naturaleza producida por los hombres. Sin prestar atención a sus gestos, tomó entre sus manos una flor afelpada marrón y le sopló en el aire. Le quedó un ramito delgado que juntó con otra flor, ésta como de fieltro rojo. Anduvo kilómetros con el ramito y la flor de fieltro en la mano. En ocasiones, advertía que los remolinos, con Sacis1 dentro, la acompañaban, barriendo las colinas cercanas. Pero se había trazado su camino y no desviaba la vista de él.

Tras un largo camino solitario, Iris llegó a la encrucijada de las Veredas Muertas, donde se encontró con la única alma todavía viva de este Sertón, un tal Riobaldo, personaje de gran novela, que le prometió presentarle al diablo en persona. ¿Sería puro delirio, o era verdad que podría hacer un pacto con el diablo para pasar a ser su otro lado y vivir en el reverso del mundo? Y ella que quería más bien una cita con Dios, una salvación cristiana. Riobaldo le enseñó, sobre una suave colina, una capilla abandonada. Podía pasar allí la noche. Al principio, Iris tuvo miedo. Pensó que regresaba a los viejos tiempos del Norte de Goiás. Pero luego se dio cuenta de que no. Todo esto estaba integrado a sus miedos de ahora, de la bomba nuclear, la bomba de neutrons; a su esperanza de encontrarse con los seres del plato volador. Nadie debía haber andado jamás allí. En su angustia cósmica, ella esperaba una de dos: llegar a la Caverna del Alemán del sueño o que no le diera tiempo de llegar y volverse harina radioactiva.

No era todavía la época de cuaresma, pero nada le llamaba la atención en aquel paisaje -ahora sí, ralo, con arbustos retorcidos y secos- más que aquel árbol color de la pasión que destacaba entre el cenizo de la tierra y el azul del cielo. El azul era el color más pegajoso de todos. Y el violeta era seco. Iris estaba tranquila, ya que Osae, el Orixá de las hojas, la acompañaba en su ascenso al montículo de la capilla.

Pensaba que, si llegaba a la Caverna del Alemán y se salvaba de la catástrofe, intentaría reconstruir palmo a palmo, como jardín en medio de cenizas, el “cerrado”.2 La Caverna sería su Arca de Noé y allí llevaría flor tras flor afelpada. Si la Caverna era el bien, la salvación, todos los medios, hasta el mismo mal, serían lícitos.

Iris encontró una casa vacía que, de capilla, tenía sólo una cruz de madera sobre el techo. Carecía de ventanas y la puerta rechinaba con el viento. Iris se miró en el espejo sucio. Vio sólo a una mujer ya vieja, de piel oscura, cabellos blancos y ondulados.

Iris cantó con los mugidos del fin de la tarde, en aquella capilla que tenía algo de su antigua casa del Norte de Goiás. Cantó como aquella noche, antes de salir de casa por primera vez, cuando se había quedado días sin hablar y, mientras tanto, no callaba, cantaba siempre. En aquel tiempo ya lejano, después de haber cantado toda la noche, había oído muy temprano al Cardenal en la rama que entraba por su ventana con unos cuantos rayos de sol. Eran los únicos a los que Iris les permitía entrar. Salir, ni hablar… sólo dejaba salir de su cuarto a los pensamientos que iban y venían, que dormían arriba de la Sierra de la Buena Muerte, que muy de mañana volvían con la vaca Pachoréu al corral y que siempre miraban desde arriba, desde el morro alto donde quedaba la casa de Goiás. El Cardenal le decía que quienes tienen el valor de viajar hacia todos los infinitos son como quienes tienen valor para no salir nunca de casa.

Como la otra vez, Iris cantó diferente.

En aquella ocasión ya lejana, cuando todavía vivía en el Norte goiano, su voz no había cambiado, su boca no era triste ni alegre (ya que no permitía que fueran revelados sus secretos), hasta sus ojos continuaban fijos, hondos, sin brillo. Tampoco había ganado nuevos gestos, si es que tenía gestos. De no ser el viejo Honorato el hombre que era, los hombres y las mujeres de aquella banda de la Lapa del Niño Dios donde quedaba el Riacho Deslavado tal vez no hubieran advertido la diferencia. La advirtieron, y aquella noche se había preparado para la gracia o desgracia de Dios.

Honorato no había contado aquella noche sus historias de cazar buey. A doña Francisquita del Tiao el pueblo la convocó para una novena de Sao Januario en la Bella Vista. Y los hijos de Augusto Matías desistieron de la kermesse.

Iris había sido ofendida por el Negro Nonato, que andaba contando siempre paja por su lado. O le habían hecho mal de ojo cuando bajaba al río con el hatillo de ropa. O habría soñado con un tesoro enterrado. O encontrado certeza en la vida. O estaría anticipando calamidades, muerte matada. O hasta, quién sabe, estaría trayendo tempestades con su canto, tempestades que, decían, llegaban por los lados del norte, desde Piauí. El hecho es que, fuera lo que fuera, algo habría sucedido o iría a suceder.

La última vez que Iris había cambiado de canto -y el viejo Honorato lo recordaba- su compadre Zé Pequeño había muerto horriblemente, calcinado por una centella enviada del cielo. Y el padre de Iris de nuevo había tenido la maleta.

Otra vez, cuando tenía catorce años y había cantado extrañamente una noche de viento tibio, su padre había sido el único en advertir que en realidad ella había enloquecido.

No había nada en su locura de lo que Iris se hubiera olvidado. Se volvió santa y profeta. Una enviada de Dios. Y pronunciaba sermones, metida en uno de sus vestidos blancos, que usaba sin cinturón, y bajaba con una piyama hasta media pierna. Su mirada fija infundía miedo en las personas. Su voz se volvió áspera y potente. Caminaba mucho durante el día, vagando, por los corredores de la casa. En la tarde iba hasta la terraza y, cuando el día comenzaba a ocultarse, meditaba acechando al sol. Ahí se quedaba fija. Sólo el viento llevaba por los aires sus cabellos negros y despeinados.

Las noches de San Juan y San Pedro fueron las peores que pasó. Las llamaradas de fuego pasaron la noche parpadeando nerviosamente del lado de afuera. No la dejaron salir de su cuarto, a pesar de sus gritos y golpes a la puerta. Su angustia creció, sus profecías se volvieron crueles, sus palabras crudas. Después de San Pedro se acuerda que previó que el mundo se iba a acabar al iniciarse la próxima década. Pasó a vomitar nombres que erizaban los cabellos. Le llamaba a su madre “puta vieja” y a su padre “cuerno amarillo”. Amarillo de niño con gusanos.

Todos se convencieron de que tenía pacto con el diablo y su padre acabó aceptando traer a Felismina, una negra vieja de cabellos blancos, voz de beata, vestido blanco con una cinta azul, para rezar ante ella. Le sacó la lengua todo el tiempo, abriendo los ojos ante lo abierto de los ojos de la negra Felismina, que le dijo a su padre que no encontraba manera.

Dos meses después él decidió llevarla con el médico que había venido a Almas. Debía de tener de cincuenta a sesenta años, era calvo y tenía unos cuantos pelos blancos. Le dio

unos remedios que hicieron infernal su vida durante tres meses, cuando vino un nuevo examen. Fue cuando le dijo a su padre que para el caso de ella, a través de la medicina, tampoco había remedio.

Su madre lloró mucho los primeros días. Después, todo volvió a ser como antes, sólo que Iris dejó de hacer profecías. Se calló. Perdió las ganas de hablar y de salir de su cuarto. Hablaba sólo con su madre, para pedirle dulce de papaya o queso de cuajada. Se quedó también con la manía de hacerle gestos a las personas que aparecían a la puerta de su cuarto. Su madre se quedaba siempre avergonzada cuando alguien venía a visitarla.

Para el primer gran susto que le dio a su familia, Iris se vistió con su camisón blanco y entró descalza, en lo oscuro de la madrugada, en el cuarto de su hermano Teodoro. Tenía doce años y era un niño tranquilo, de cabellos crespos y cara amplia; sensible y tímido. Dormía con calzones anchos y se cubría por completo con las sábanas hasta la cabeza. Se acostaba temprano en su hamaca en el cuarto de enfrente y esperaba la primera luz, que llegaba a las cinco, para despertarse. Era una noche sin luna, acaso sin estrellas, tal era su negrura. Y ahí aprendió Iris a producir el zumbido que hacía ahora cuando quería asustar a la gente en la madrugada. Extrajo el ruido de lo más profundo de su garganta, una especie de susurro, de vociferación de león, pero que más parecía la voz del diablo, y se colocó cerca del oído de Teodoro, comenzando bajito y después un poco más alto para estar segura de que se había despertado. Sintió cuando él estuvo temblando bajo las sábanas. Le dijo que no se levantara. Y de hecho él no se levantó. Permaneció inmóvil. Fingió tener el sueño más profundo. Ella apretó entonces su garganta con fuerza y rápidamente, para que él no tuviera tiempo de gritar, a no ser cuando ya estuviera lejos.

Su siguiente víctima fue Esmeralda, la vieja hermana de su padre, que vivía también con su familia. Estaban todos durmiendo e Iris pensó que ya era hora de darse su vuelta esa noche. Robó una gallina del propio gallinero de la casa, la mató torciéndole el pescuezo y la abandonó frente a la ventana de Esmeralda, quien propagó por todos los alrededores que era cosa de Belcebú y que la casa estaba llena de demonios.

Pepito del Gallo Tuerto, llamado así porque había tenido un gallo baldado campeón de peleas, ayudó a esparcir la noticia de que aquello había sido obra del diablo. Según él, Satanás andaría suelto por todas las haciendas cercanas a la Sierra de la Buena Muerte todavía por un año y quien quisiera evitar esos males debería rezar todos los días el credo, diez ave marías, un padre nuestro y una oración a San Jorge que comenzaba así: “Oh, San Jorge, empuña tu lanza, mata a Satanás, que tú eres fuerte y yo soy débil y desprotegido”.

Todos comenzaron a citar como prueba de la obra de Satanás la desgracia que recaía sobre la familia, con su locura. Pero lo más impresionante eran justamente esas apariciones del demonio. Nadie venía a la hacienda por miedo a llevárselo consigo. Pasado algún tiempo, a pesar del esfuerzo de su padre para convencer por lo menos a los amigos más cercanos de que todo lo que se decía era mentira, nadie más pisaba la hacienda, a no ser ellos mismos, los de la casa.

 

DE NOCHE, EN LA FRONTERA

Iris quedó contenta con el resultado de sus iniciativas e hizo todo para que se mantuviera la fama del lugar. Una vez salió de madrugada, en la noche oscura, y encendió cuatro velas frente a la casa. Desde lo alto de donde vivía Seu Juvino, las velas fueron vistas antes de clarear y corrió la noticia de que había espíritos rondando la casa, con ganas de entrar. Nunca pensó que iba a oir, algún tiempo después, sobre la Hacienda del Riacho Deslavado, historias mucho más fantásticas que el fantástico terror que ella estaba deseando propagar. El poeta Zeca de Pie Torcido -uno que hacía profecías sobre las lluvias y que recorría los sertones hacia el norte, con destino a Piauí- había hecho una copla que ella oyó tiempo después:

 

La lucha de los espíritus y Satanás enojado

no ha dejado ni cabrito ni cabeza de ganado,

en esta hacienda maldita del Riacho Deslavado.

 

Aún corría la noticia de la maldición de la Hacienda del Riacho Deslavado, cuando sucedió el desastre mayor e inesperado. Todos fueron tomados por sorpresa. Afortunadamente, ella se volvía cada vez más sonámbula, distante de las cosas, viviendo un sueño pesado y vago. Así, poco entendía de lo que pasaba a su alrededor.

Ya estaba loca desde hacía dos años. Comenzó a tener un miedo exagerado del mundo, de los animales y de las personas. Gritaba de horror cuando, al caer la tarde, veía a la boyada llegar al corral. Durante la noche, muchas veces no dormía. Acababa corriendo de un lado a otro de su cuarto, espantada por los vuelos rasos de los murciélagos. Advirtió que la casa se encontraba llena de cucarachas y comenzó a pasar días enteros con las piernas levantadas y encogidas. Después desarrolló la manía de buscar insectos. Corría por todos lados y cuando encontraba uno lo mataba a palmetazos. Por último, fueron los ratones. Tenía la impresión de que una avalancha de ellos invadía la casa. Que le impedían hasta caminar con tranquilidad. Y decidió perseguirlos. Siempre conseguía verlos, sentir que estaban presentes, escuchar sus ruiditos día y noche. Pero sólo una vez se encontró muy cerca de uno. Pequeñito, raquítico. Y lo mató con su zapato y el peso de su cuerpo. Tenía ya la apariencia exagerada de loca que hoy tiene, quitando algunas arrugas que le aparecieron con el tiempo: los cabellos siempre despeinados y largos, los ojos inquietos y la frente fruncida.

Después se dijo que ella había presentido la noche anterior lo que iba a suceder. Más de una vez había cantado diferente. La Sierra de la Buena Muerte explotó. La Sierra era azul con piedras blancas, la que dominaba el paisaje de la Hacienda del Riacho Deslavado. Nunca había sucedido aquello. Tembló todo, se cayeron casas y en muchos lugares la tierra se abrió en bocas que se comieron los plantíos. Hasta el Río Sueñito cambió su curso. Jamás se supo bien qué provocó aquello. Unos decían que habían sido los extranjeros, otros que un temblor de tierra y otros que la obra del diablo que vivía en la Hacienda.

La Hacienda ya no dejó nunca de considerarse endemoniada. Ella misma, Iris, adquirió facciones de demonio. Nunca se lo dijeron. Pero advertía cómo la miraban todos, cómo jamás se le acercaban- y cómo la temían. Y además de eso, había enflacado mucho, sus carnes estaban caídas, acompañaban flácidas las amplitud de su rostro y agregaban algo de muerto a sus ojos quietos. Sus cabellos negros, que no permitía que nadie le cortara, llegaban hasta abajo de la cintura, despeinados, confusos, ganando en largo y alto, en amplia circunferencia alrededor de su rostro. Sus uñas también estaban crecidas, y con ellas arañaba de vez en cuando sus brazos hasta sacarse sangre. Sin que nunca le diera el sol, su color era de un blanco pálido que contrastaba con el hondo oscuro de sus ojos, con sus espesas cejas y con el negro de sus cabellos.

Su padre sufría mucho con el alejamiento de todos, con la soledad en que lo dejaban en el Deslavado. Y por ello pensaba en salir.

Los días de Iris también quedaban vacíos y largos. Ponía una silla en la terraza de la casa y miraba con fijeza hacia lo Alto del Possidonio. Así pasaban las horas. Casi no tenía ganas de nada. El único deseo grande era el de bajar corriendo la ladera frente a la casa y alcanzar el mundo en dirección al Possidonio y pasar de allí y subir a la Buena Muerte y llegar a la piedra blanca que parecía rodar por encima de lo azul de la sierra y del azul del cielo y después volar y volar, perderse en el firmamento, entrar en el azul del día, atravesar el amarillo de la claridad, quemarse en el fuego del sol, volar, volar, desaparecer hasta posarse, de noche, en los astros, recostar la cabeza en la luna y dormir para siempre.

Pero cada vez que intentaba hacer eso, la sujetaban y la traían de vuelta a casa. Y pasaba la tarde en su poltrona, mirando lo Alto del Possidonio y oyendo los ruidos. Todavía temprano en la mañana, al despertar, los ruidos ya eran aterradores: chirridos, zapatos que se arrastraban, bueyes y vacas que gemían, pájaros que cantaban. También los gallos. Las gallinas cacareaban un poco más tarde. Su padre comenzaba a hablar y dar de gritos a los criados desde las seis. Su madre platicaba con las cocineras desde las cinco. Los ruidos de la cacerola ya eran audibles a las ocho. El radio de baterías se encendía después de las siete, con un programa de cantantes que improvisaban desafíos. Y así continuaba el día, el agua cayendo en las tinajas, el ritmo perezoso de las chinelas de Chico Nonato, los azotes de Don Nicó a los animales, los cascos de los caballos golpeando con fuerza en la piedra dura del tablero frente a la casa, el hacha de Zé Pequeño cortando la leña en el terregal, los sucios paseos de los puercos por los alrededores, el canto alto e histérico de las gallaretas, el tintineo de tenedores y cuchillos sobre los platos al mediodía, el viento constante y rabioso pasando por los tejados con dirección a la Sierra de la Buena Muerte, las pláticas cuchicheadas de Esmeralda, el regreso de los carneros y de las ovejas, de nuevo al caer la tarde los mugidos tristes y prolongados de las vacas, los revuelos de los pájaros, el croar de los sapos en las orillas de la represa, el ruido de la planta de luz cuando llegaba la noche, la voz cansada de su abuelo contando sus historias repetidamente, los grillos, el vuelo de las mariposas, los gritos de la zorra, las hojas llevadas por el viento, el agitarse de las personas en sus hamacas, las respiraciones profundas de su madre, los ronquidos de su padre, pasos, truenos, gotas de agua pesadas y solitarias, todos los ruidos que llegan con la noche y que le dan miedo a la gente, que se lo provocaban, que todavía se lo provocan más, que le erizaban la piel como la tiene ahora.

 

Un día que estaba sentada en su poltrona de la terraza, oyendo los ruidos, advirtió Iris que se estaba transformando. Tomó de pronto conciencia de su cuerpo. Sintió que su pie estaba descalzo y que el cemento del suelo estaba frío. Sintió la adherencia de su cuerpo a la tela de la poltrona. Encontró extraño poder controlar los movimientos de sus brazos y de sus piernas. Movió los dedos de las manos como si hiciera un descubrimiento. Apretó con fuerza el índice de la derecha hasta sentir el delicado dolor de la sangre apretada en las venas. Se dejó acariciar por el viento, que cariñosamente recorrió sus piernas, le sopló secretos indescifrables en las orejas. Dejó que le rozara levemente el rostro. Encontró que su sostén apretaba. Vio enfrente, en lo Alto del Possidonio, la casa de la Comadre Santa. Vio que los niños corrían por la ladera en dirección de lo alto. Sintió correr la sangre por sus venas, llenando sus arterias. La sintió llegar a su corazón. Le agradó la suciedad de sus cabellos y tuvo ganas de jamás volver a bañarse. Enfrente se encontraba la Sierra de la Buena Muerte, como hacía tiempo no la había visto. Comenzó a comprender lo que pasaba dentro de ella. Debía estarse recuperando de su estado de locura.

Las personas que la rodeaban nada habían notado. Su madre continuaba despertándola, como siempre, a las seis de la mañana, la ayudaba a vestirse y la llamaba para tomar café. Todos la miraban con los mismos ojos espantados. Pensó en decir algo. Pero tenía que hacer mucho esfuerzo para enfrentar a aquella gente, a aquel mundo aislado de los otros mundos. Veía el sufrimiento de su padre y de todos en la hacienda. Ella no podía participar de aquella vida con los ojos abiertos. Necesitaba refugiarse en su locura. ¿De qué le valdría volverse sana? No se iba a casar. Las personas la mirarían como si fuera una desgraciada. Y ella permanecería enterrada en su casa, ayudando a su madre, eso sí, cocinando, cosiendo, limpiando la casa. Y eso no era vida. Mejor ver lo que pasaba frente a la poltrona.

Si por lo menos pudiera salir de la casa, ganar el mundo sola… Pero no. Sabía que eso jamás conseguiría hacerlo. Era quedarse en casa y esperar la muerte. Por lo menos engañando al mundo sería más fácil soportar. Hacerse la loca exigiría de ella un trabajo permanente, una atención constante, y le iba a dejar tiempo y medios para observar a las personas, conocerlas mejor. Continuó callada. Sentada en la poltrona.

A veces tenía la impresión de que las personas desconfiaban. Le hacían alguna pregunta directa, igual a las que se hacen a la gente normal. Ella continuaba callada y procuraba demostrar su enajenación. Su padre, sobre todo, debía de desconfiar.

Ya estaba lúcida, por lo tanto, cuando llegaron a Salvador. Al principio vivieron en un lugar llamado San Jorge. Ella se sorprendió mucho. Nunca había visto una ciudad tan grande. Aquella inmensidad de casas, una detrás de otra. Gente que pasaba cada cinco minutos. Carros que recorrían la calle varías veces al día. No la dejaron salir más allá de la sala de enfrente. De vez en cuando tenía ganas de salir por la noche para ver el movimiento de la ciudad. Hasta llegó a pensar en confesar su lucidez para poder hacerlo. Tuvo ganas de vestirse de diablo o de alma de los infiernos y salir asustando a las personas en cada esquina. Pero esos pensamientos nunca consiguió llevarlos a los hechos. Sabía que cualquier ruido de la puerta sería escuchado inmediatamente y que

quien pasara por la calle a cualquier hora podría verla y hasta reconocerla.

En uno de los lados de la casa, la cerca daba a otra casa, mas grande que la de ellos, pero deshabitada. En algún otro lado, había un sitio pequeño, donde vivían los conserjes, una familia de mulatos. En los dos lados restantes, en la esquina, comenzaban caminitos de tierra, que seguramente llevaban a una infinidad de sitios diferentes. Como nunca la dejaban salir de casa, no podía saber hasta dónde iban exactamente. Por eso, y también porque sentía atracción por la noche, decidió comenzar a hacer sus paseos nocturnos. Cuando todos estaban dormidos, abría la ventana de su cuarto sin hacer ruido y, con un vestido blanco y llevando en la mano una toalla blanca, para cubrirse la cara en caso de encontrar a alguien, tomaba el rumbo de los caminitos oscuros o aprovechaba para conocer mejor los sitios vecinos. La primera vez que tomó el caminito oscuro que pasaba frente a la casa, se encontró un hombre de sombrero de paja, de piel oscura, fumando un cigarro, de mirada atenta, y el miedo la hizo gritar. El hombre la miró con cara de terror y corrió a toda velocidad. Se sintió bien. Encontró que podía ser la reina de la noche.

Y tuvo ganas, como ya las había tenido otras veces, de salir dando sustos a las personas en cada encrucijada del camino. Se acordó de la voz ronca que podía fingir, imitando al diablo, en su primer año de locura. Se acordó del susto que le pegó a Teodoro e intentó repetir el zumbido que había hecho aquella noche. Lo consiguió y no se contuvo. Salió corriendo y se internó en la oscuridad, en busca de algún encuentro, de preferencia un hombre fuerte, con pinta de valentón, pero que tuviera, como todo el mundo, miedo a la noche y a lo desconocido.

En la primera encrucijada, salió del camino, se escondió en las matas por atrás del tronco de un jenipapeiro3 y esperó a su víctima. Pasó primero un muchacho en bicicleta, pero resolvió ahorrárselo. Escuchó pasos fuertes, debían ser de hombre, de hombre grande y decidido, poniéndole mala cara a la noche para ocultarse su propio miedo. De repente dio un salto hasta la mitad del camino y produjo su zumbido de terror, comenzando bajito, subiendo después hasta volverlo alto y delicado. El hombre se detuvo con calma, se arrodilló, hizo la señal de la cruz y le preguntó como su tía ante el fantasma de Doña Alta: “¿Quién puede más que Dios?” Respondió con aquella voz ronca con la que había asustado a Teodoro: “El diablo”. Y fue acercándose a él, hasta que advirtió que seguía calmado y no parecía que fuera a huir. Entonces tomó una decisión: lo estrangularía. Se quitó la toalla del rostro y avanzó decidida en dirección del hombrecito, tratando de apretarle el pescuezo. Pero no lo consiguió. El se libró de ella y corrió buscando socorro. Había realizado su gran acción del día y regresó tranquila a casa. Notó que su ansiedad pasaba siempre que lograba dar un gran susto.

En una de esas salidas nocturnas, Iris aceptó subir con unos hombres a un coche. Eran el diablo: la maltrataban, se reían de ella, tocaban su cuerpo sin respeto, la humillaban y el placer que sentía ella que quería probar venía desde el fondo de su peor pozo. Quería ir con ellos a algún lugar donde se encontrara a salvo, para ya no temer nada. Finalmente la llevaron a la zona de tolerancia y allí la abandonaron. Entró en una casa con luz negra en el fondo y señora gorda, de minifalda, en la puerta. Y en aquella misma noche consiguió, sin esfuerzo, su primer empleo en la ciudad.

Esa ocasión en que Iris cantaba, en la capilla abandonada, no había oyentes ni espectadores. Sólo un viejo aparato de radio le hacía compañía.

Después de aquella noche llena de recuerdos tan antiguos, y después de cantar tan diferente, como en otra época, escuchó truenos a lo lejos. Ninguna Sierra de Buena Muerte estaba en el horizonte, pero algo había pasado. No debía haber aceptado la invitación de aquel Riobaldo que la había traído a esta capilla.

Había sido más fuerte que ella. Ella había querido detenerse allí, porque deseaba, no salvar al mundo, sino salvarse a sí misma. Ninguna Caverna del Alemán sería posible sin aquella parada. Ella había cedido y ahora estaba segura de que había cedido al diablo, para encontrar la salvación. Lo que estaba hecho hecho estaba, y ahora confiaba más que nunca en que el diablo la llevaría por el camino de la salvación. Decidió continuar su viaje.

Pensaba ahora que la eternidad había cambiado de forma: siempre, ahora, esto y aquello, aquí y allí habían adquirido otra naturaleza. Y hasta podía ser que llegara a olvidar el sueño en el que quería entrar con toda libertad.

¿Iba a renunciar a la supuesta seguridad de lo conocido por la supuesta libertad de lo desconocido? Lo desconocido era sólo la interrogación de lo conocido. Y lo revelado, la iluminación, apenas sorpresa que no dependía de su voluntad ni de su viaje.

¿De nuevo sería la locura? Tenía miedo de conseguir una libertad tan infinita que eliminara las referencia a una memoria de sí misma. Pero la locura también la fascinaba, porque la hacía viajar fuera de todo lo concebido.

No muy lejos, en pleno Sertón, ocurrió el milagro: Iris dio con un camino de asfalto ancho y largo, del cual no se veía el fin. Era extraño encontrar aquel camino después de tanto caminar. Se imaginó que sería algo así como una enorme pista, que la llevaría quizás a otra dimensión de la vida. Siguió el camino hasta ver las luces en el horizonte. Algunas horas más de caminata y divisó muchas pistas que se cruzaban en una ciudad espacial. Era la ciudad del futuro, del Tercer Milenio o de un planeta más avanzado que la Tierra.

Sintiéndose ya lejos de la Tierra, meditaba sobre su vida transcurrida en aquel planeta pequeño, que giraba en torno de una estrella de tamaño medio con la que viajaba por el universo. Su cabeza nunca había conseguido desprenderse de aquel pequeño planeta. El universo había sido sólo una palabra o la imagen de un enorme espacio oscuro que se perdía de vista, lleno de puntitos luminosos, como el cielo que le encantaba en las noches del Deslavado o que veía en la foto blanco y negro de un libro de la escuela que nunca había leído.

Había nacido y vivido en la Tierra y de ahí su relación con el cobre y con el fierro. Eran los metales que le daban energía. Y por eso andaba, una media luna de cobre en la

punta del zapato derecho, una figa de fierro colgada en el cuello. Pero el símbolo de la Tierra era -se acordó-el oro, ya que el oro tenía la tradición de lo bello, de lo caro, de lo raro. Si muriera quería ser laqueada con oro.

Sabía que su aura tenía coloración verde. Andaba verde aquella tarde.

Cuanto más se acercaba a la ciudad, más advertía que se estaba volviendo paranoica. Magdalena tenía razón. El psicoanalista sabe a ciencia cierta de esas cosas. Así, por ejemplo, caminaba y oía un estallido como el de una bomba, a lo lejos, por su lado derecho. De tanto escuchar aquel ruido se acostumbró a él y pensó que, de aquel lado, siempre estallaban las bombas de vez en cuando. Pero escuchó estallar otra del lado izquierdo. Entonces, ya segura de que iba a comenzar la guerra por encima de ella, dudó de que este planeta fuera la misma Tierra.

Después se imaginó que hasta podría ser el blanco, ella que no quería la guerra. Pero ¿por qué pensaba sólo en ella misma? ¿Y la humanidad? ¿Y cada hombre? Había una esperanza para la raza humana: dioses diferentes -pensó Iris- pueden pedir diferentes cosas a diferentes hombres. Nada impedía que, siguiendo la orden de los dioses, la humanidad pudiera desaparecer pronto, pero primero era necesario que hubiera un acuerdo entre los dioses.

No sabía por qué pensaba constantemente en su martirio y el de todos los hombres. ¿Sería que, en el fondo, todos los hombres eran tristes como ella? ¿O sería masoquismo suyo, como una vez le explicara Magdalena?

Sintió odio por lo que estaba sucediendo. Pero pensó: “debo dirigir mi odio contra las cosas vagas y abstractas. Mejor odiar a la humanidad que odiar a cada hombre. A cada hombre sólo sé darle amor. Los odio a todos por amar a cada uno”.

De cualquier manera, no quería morir. Si no encontraba la Caverna del Alemán tendría que descubrir otra forma de sobrevivir. Le vino la idea de que sólo estaría en condiciones de obtener, a través de su propia voluntad, todo lo que quería, cuando fuera capaz de saber cómo controlar con su propia mente cada pequeña célula del cuerpo. Sólo en ese momento se podría ser eterno. Nadie hasta hoy había conseguido llegar a esa etapa, como tampoco se había descubierto todavía el átomo en materia de energía extrasensorial. Sabía, con todo, que para ella la eternidad y la comunicación directa con el universo no estaban lejos.

Cómo había sido posible, no lo sabía Iris. Pero la ciudad en la que estaba caminando era, de nuevo, Brasilia. El diablo no era de confianza. La había engañado. La había hecho caminar en círculo. Ella había caminado horas en vano, buscando una caverna y sólo había dado una vuelta por las extensiones de cerrado2 que rodean el lago. Su consuelo fue obtener así la prueba de que el sertón está en todas partes, incluso en Brasilia.

Asustada por los tiros y las bombas, que cada vez escuchaba más fuertes, Iris decidió tomar el camino de su templo, en el jardín de la Salvación. Por lo menos allí encontraría la reconfortación de sus seguidores. Si Pablo Antonio estuviera aún desaparecido, ella sería capaz hasta de tomar las armas.

Todavía durante aquella noche llegó Iris al jardín de la Salvación. Su primer providencia fue buscar una veste amarilla, amarillo oro, amarillo que era también un color escurridizo, que podía enfrentarse al colorado pegajoso que avistara en la nochecita en los cielos de Brasilia.

El retrato de Iris no abarca toda la dimensión de lo que está viviendo. No había llegado a fin ninguno y por eso tampoco había podido comenzar. Toda su vida había sido una continuación, fines que eran principios y principios que eran fines. Navegar, explorar, buscar nuevas intensidades y una comunión más profunda -había coincidido una vez con un poema que le habían leído. El fin alcanzado era sólo ausencia de vida, reencuentro con el principio de los principios, en el silencio desconocido. No tenía por qué decidirse entre quedarse y seguir, ya que seguir era quedarse y viceversa. Y, mientras tanto, deseaba, tenía ganas, tenía decisiones que tomar y problemas que resolver.

Tenía miedo de que en el momento de su muerte, ya sin tiempo para descubrir y vivir la verdad, tuviera una revelación: algo parecido a un ángel que viniera a decirle que todo lo que había vivido, todo lo que había visto, era falso. El mundo era otro, que no había conocido. Y entonces ella tendría la certeza de que se había equivocado al escoger su vida. ¿Había sido su vida sólo un largo desvío? ¿Su vida verdadera debería haber sido otra? ¿Había sido ella sólo una mentira?

Iris entró en el templo piramidal, cubierto de símbolos, muchas estatuas y algunas velas, ya apagadas, una mesa cubierta por un mantel de lino blanco, una gran ventana abierta hacia lo oscuro.

Ella todavía escuchaba, imponiéndose ahora al chillar del agua del riachuelo que corría cerca de allí, los ruidos de los tiros y las bombas, que ahora todos en la Ciudad de la Salvación confirmaban ser de la guerra que había comenzado. Iris estaba fija en la muerte, en el Apocalipsis. Tenía un miedo permanente que le dolía en el estómago, que coagulaba su sangre, que le producía poco a poco úlceras e infartos. Los días fueron pasando sin que nada cambiase, y ella no sabía de dónde sacar más fuerzas, cuando menos una poca de alegría, para sobrevivir.

Se acordó de la iluminación de aquel crepúsculo en que había comido hongos con Fernanda, Magdalena, Silvita y Cadú. ¿Entonces Fernanda iba a quedarse diciendo que el Apocalipsis es lo mismo que el Génesis y que, entre los dos, era más divertido el Génesis?

Para Iris el Apocalipsis, la muerte, tenían que ser contemplados con sufrimiento, con seriedad. Días tras día, notaba todo lo que la estaba llevando hacia una y otra cosa. Y ahora que le parecía muy remota la posibilidad de encontrar la Caverna del Alemán, tenía la certeza de que no escaparía. Y cuando llegara el momento definitivo, ¿qué podría hacer? Sólo alcanzaba a imaginar una de dos: por primera vez empuñaría las armas, iba a matar si fuera necesario, para defenderse a sí misma y para defender al mundo; o se

mataría. Por fortuna, hacía poco habían lanzado en el Brasil unos buenos manuales enseñando a hacer una y otra cosa: un libro americano sobre las diferentes formas de matar y uno francés explicando todas las técnicas del suicido. Pensó en invocar a Oxóssi, a San Jorge Guerrero, para que le dieran fuerzas para la lucha. Miró la cruz, la estrella y también la estatua de Oxalá, que, entre cientos de otras, ocupaba el panel principal del Templo de la Salvación. Oxalá aparecía apoyado en su apaxoró, especie de gran báculo de plata, en cuyo tope estaba posada una paloma, símbolo de la paz. Iris decidió no rezar. Sería inútil. Ya no creía en los santos de la Macumba.

Hasta hacía pocos días hubiera invocado al espíritu de su fallecido padre; hubiera imaginado que Cristo estaría a su lado. Todavía en otros tiempos, se habría fundido con el universo, habría dejado de existir como “yo”, habría llegado al Nirvana antes de la muerte y todavía tendría tiempo para quedarse un poco en la tierra, para ayudar a los demás. Y si hubiera sido en aquella época en que llegó a Brasilia, se habría puesto todos los amuletos en la frente, hubiera pedido la protección de Omulu, de Nanan, con las manos en la tierra, los ojos bajos. Ahora que su fe ya no existía, ¿qué clave podía ella detentar de los misterios del mundo? No tenía la solución de nada.

Miró en el horizonte el claro difuso hacia el lado de Brasilia y, si se le hubiera permitido, habría tenido una iluminación más en su vida: la de que aquella ciudad era como una droga, o sea, una ciudad sin contenido, que podía ser lo que ella imaginara…

La última sensación de Iris antes de salir de la novela fue la de que, una vez más en su vida, estaba llegando al final de sí misma.

Y porque ella había renunciado a todas las creencias, sobre ella se abatió la venganza de Iemanjá, revolviendo los océanos creados por sus senos lacrimosos.

Mientras tanto, como en toda historia, hubo otra versión. Iris había desaparecido de su pirámide, donde sus discípulos encontraron semillas esparcidas por el suelo. Plantaron un árbol con ellas y el árbol creció tan rápido que luego de unos años circulaba la historia de que la médium se había convertido en árbol.

Sólo fuera de esta novela podría Iris tener todavía otro destino.

(Fragmento del capítulo “Como en un viaje de ácido” de la novela Ideas para Donde Pasar el Fin del Mundo).

Notas del traductor:

1. El Saci es una entidad fantástica del Brasil. Es un negrito de una sola pierna, con una pipa y una birrete rojo (fuente de sus poderes mágicos). Persigue a los viajeros o les arma trampas.

2. Vegetación rala, de árboles bajos retorcidos, de la meseta central del Brasil.

3. Arbol de la familia de las rubiáceas.

Fantasia para Plano Piloto

PASSA o letreiro, outra foto, música de fundo nostálgica. Ou “Babalu”, com Ângela Maria, ou o Cauby cantando “Conceição”. Você, eu imaginava preferindo Dolores Duran ou Antônio Maria.

Ainda não tinha decidido o clima.

Talvez um rock. “That’ll be the day”, Buddy Holly me deixando triste. Fazia tempo, Peggy Sue. Não, nostálgico mesmo era Pink Floyd, “Atom’s Heart Mother”, fumaça no ar, os amigos no chão, curtindo um som, sem palavras.

Nada sobre mim. A câmara em quem me chamasse atenção. Refletido nos outros, ia vendo, perguntando. Meu interesse me retrataria.

Assim, poucos flashes de mim, como o da foto do começo, deitado sobre o mosaico e a folha de papel almaço, o tempo de aparecerem os títulos. Tenho seis anos, minha mãe me prometeu chocolate e coca-cola se eu escrever uma frase ao lado de cada figurinha. O sol entra forte pelas duas portas altíssimas, enchendo metade da tela e enfocando a rede de palha.

Corte brusco, toda uma página em branco, travessão, parágrafo, recomeço:

Junto à música de fundo, os primeiros barulhos: motores e buzinas dos automóveis. A civilização da energia acende o alarme, e já é urgente o suspense, informação qualitativamente nova.

O filme começaria num dia de céu tão azul e sol tão amarelo quanto os de uma pintura naïve. Um de meus personagens traria de Minas suaves montanhas, casinhas brancas do século XVIII e folhas, muito verdes e muito grandes, de bananeira, para serem recortadas sobre o vasto azul.

Não. Se a história fosse a de um lugar escolhido… tempos silenciosos, paredes brancas, ninguém: uma ausência ainda desconhecida, como o universo antes de existir, diria outro dos futuros personagens. Fora as coisas dos personagens, um espaço qualquer.

Ah se esses personagens olhassem o cenário antes de entrarem em suas próprias histórias e na história de todos!

Num tempo inativo, eles se escondem em suas histórias, participam de encontros apenas seus, fazem parte de grupos que não conheço. São ilhas reflexivas como esse tempo fora da história. Compõem acasos, motivações sem sentido, tramas iniciais e causas puras.

A despeito deles mesmos, são já objeto do meu olhar de narrador que inventa as relações que esse lugar, transformado­ agora na foto de uma festa, provoca entre os presentes ou leitores: relações nascidas da casualidade, que perduram com as tramas do enredo.

No princípio seria o desconhecido, regra ou desordem ainda ausentes. Ausências inexistentes, inimaginadas. O caos e o tempo. Todas as direções. O inconsciente. A inexistência de conflito, de problema. Viria o silêncio, gerador do símbolo, do verbo, a consciência trazendo os interesses, as razões e as paixões. Surgiriam os problemas. Ou, então, tudo ao contrário ou em relações diagonais concomitantes. Ou, então, outras palavras e outras ordens. Ou não haveria princípio: só e sempre o mistério dos princípios.

A você confesso que, quando morri, me joguei em busca do começo dos começos. Despenquei do presente. Fui passear no ponto zero, na luz, na energia infinita, de há vinte bilhões de anos. Um microssegundo depois, a energia já havia baixado para algumas centenas de bilhões de volts. Ponto zero. Nenhuma fundação. Mistério catastrófico.

Calor infinito, densidade infinita, volume infinitamente pequeno. Vento da explosão inicial, que me sopra ainda agora a seiscentos quilômetros por segundo. A singularidade, fora do espaço-tempo, se desequilibrou instantaneamente, por causa de pequenos defeitos em sua superfície e, assim, eu descendo, como você, de um erro da natureza.

Detesto passear pelo universo, pois ele é já uma espécie de lixo: é a pequeníssima sobra de matéria que restou depois da reunião da matéria e da antimatéria — elétron positivo e próton negativo — produzidas simetricamente pela luz inicial. Em menos de um microssegundo, um conjunto de reações físicas criou um bilionésimo mais de matéria que de antimatéria.

No início, era a total instabilidade; no fim a completa estabilidade. No início, o hidrogênio; no fim, o ferro. Percurso determinado, com tempo infinito entre começo e fim. As estrelas formam as galáxias e estas me levam ao universo-infinito. E se não for infinito, o que está por trás do limite? Tenho espaço demais para onde me expandir. Não me repito. Assim são os fantasmas. Sem limites.

Morto, começo rendendo homenagem ao velho Machado. Não me interessa saber se começo do começo ou do fim. Não quero narrar minha morte. Não me chamo Brás Cubas. Não escrevi minhas memórias. Nem dedico meu roteiro de cinema ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver. Não é aos vermes que pertence o futuro. Sou dos que nele continuam a acreditar.

Por isso
aos ratos
meus rabiscos.

Deles é o futuro do mundo, já daqui a cinqüenta milhões de anos, segundo a teoria da evolução das espécies. Tanto mais que sou brasiliense. Não tenha você dúvida de que a Brasília pertence o futuro da humanidade, futuro desta história, pois em nenhuma outra parte haverá ratos maiores, mais belos, mais desenvolvidos que os daqui. Os ratos e as plantas secas do Planalto sobreviverão. E com eles Brasília.

Eu não começaria do fim nem do começo. Começaria do momento em que saí de um buraco negro e em que, de volta, a mim pertenciam os céus do Planalto. Daquele momento em que o meu amor podia, assim, crescer num jardim aberto e cheio de sol, já depois do inferno. Lúcifer fizera bem de sair do céu, pois o céu era o medo do prazer e da dor. Mas eu queria agora viver nesse jardim aberto, longe do inferno, que eu imaginava ser o paraíso. Se dele me expulsassem, estava persuadido de que não me caberia apenas o castigo e que me seria dada, contrariamente a Adão, a chance de me pronunciar sobre meu destino: “Preferes o céu, na paz de espírito e na companhia dos santos, ou o inferno, com todo o seu sofrimento e todos os seus prazeres, na companhia dos teus demônios?”, me perguntaria um anjo maldito. E eu, que já não teria direito à inocência do limbo, diria preferir a companhia dos demônios, porque contra estes, que temem a luz, poderia lutar à luz do dia; enquanto os santos me ameaçariam com a gélida clausura da eternidade perfeita e morta, impedindo a volta ao verdadeiro e perdido paraíso. Tudo estaria mudado, e nós, Silvinha e eu, sobreviventes da desilusão, aventureiros dos espaços infinitos, perseverando sem fé, sem medo do ridículo de amar, faríamos juntos mais um passeio pelo desconhecido.

Você me desculpe, prefiro um começo como um continho de fadas: era uma vez léptons e logo prótons e nêutrons… Uma vez, núcleons e elétrons e então átomos… Era uma vez átomos que se associavam em moléculas, que, combinadas, se transformavam em biomoléculas — açúcares, aminoácidos — que se tornavam células, que formavam os primeiros seres multicelulares, espécies de medusas, e muitos etecéteras, até que eu mesmo descendi dos macacos e um dia descenderei — de alguma forma já lhe foi explicado — dos ratos de Brasília.

Ou melhor: num dos inícios comprovados, anos antes da minha morte, flanando pelo Marais, Silvinha me mostrou a fotografia. Tínhamos parado na Place de Vosges e agora caminharíamos até seu estúdio da Île, onde eu teria a idéia de transformar aquela fotografia em quadro de filme.

No começo, uma mistura de Eisenstein com Cecil B. de Mille, Brasília em grande angular. Ao som de “O guarani”, prédios euforicamente construindo-se por escravos voluntários e modernos, operários voltados para o futuro da humanidade. E logo a tomada de cena da inauguração, JK descendo de helicóptero.

E a poeira
vermelha
das ruas
ainda nuas
cobrindo as casacas
dos altos burocratas.

Então enxergue: o verde recortado que se vê de qualquer janela anuncia, escuro, que vai chover. O barro vermelho invade as calçadas. Um raio tangencia, ao longe, a ponta da torre de televisão. Brasília não pertence aos meus personagens e nunca lhes vai pertencer. Mas é nesta cidade, com história e futuro ainda abertos, que está para surgir, vestido de fada ou de bruxa, um mito antigo, finalmente real: toda a novidade do mundo.

Assim conta a história, você me acredite: a novidade completa surgiu quando o acaso se liberou nas cidades, veloz, ameaçando acabar o mundo. Mas no Brasil ainda havia esperança: baixo um céu rosado, um anjinho de flor no peito ia finalmente chegar ao poder. Num fim de tarde, os intensos assobios das cigarras enchiam os espaços de Brasília. Lembravam a infância e advertiam que as brincadeiras de rua tinham acabado.

Esse era o começo, e o começo já era quase noite.
Não se vê na foto.
Não se vê, na foto, que o mundo atravessava sua maior crise.
Não se vê que em Brasília era como se nada estivesse acontecendo e tudo estivesse para acontecer. Enxergue, ­então.