Quase perfeito. Marcio Renato dos Santos, Rascunho, sobre Cidade Livre

/

Jornal RASCUNHO
Agosto 2010 / Ensaios e Resenhas / Quase perfeito

Quase perfeito

Resenha de Cidade livre, de João Almino

MARCIO RENATO DOS SANTOS

João Almino, o escritor que inventa e reinventa Brasília a cada novo livro publicado, recua no tempo em seu mais recente romance, Cidade Livre. O nome remete à expressão que identificava o local onde viveram muitos candangos, os trabalhadores que ergueram os palácios oficiais antes de a capital federal ter sido inaugurada, no dia 21 de abril de 1960.

A chamada Cidade Livre foi, desde o início, um local destinado a desaparecer, transitório por natureza, mas talvez tenha sido o embrião das cidades-satélites, das periferias não planejadas que, em alguma medida, humanizaram o plano-piloto.

Lá, como em qualquer espaço onde se reúnem mais de dois humanos, todos os sentimentos do mundo pulsavam. Amor. Ódio. Inveja. Desejo de vingança. Cobiça etc. E, em meio ao que parecia acabar rapidamente, acontece a narrativa.

A narração é feita por um homem chamado João, filho de um sujeito que empreendeu ações e tropeçou antes de Brasília ser inaugurada. João recupera informações que teriam sido repassadas por seu pai. A idéia é ótima. O problema é que o texto do livro é anunciado como se fosse o de um blog. E, lamentavelmente, o artifício não funciona. Por que, basta entrar na internet: nenhum blog tem texto tão longo e bem escrito como os que formam este romance. Então, esse é o grande, e é chato dizer isso, equívoco de João Almino: sugerir que a voz que narra seria a de um blogueiro.

Mas, se deixarmos de lado esse deslize, Cidade Livre se apresenta como uma obra de arte incomum.

Afinal, a trama que conduz, durante sete noites, o mesmo número de capítulos, é muito acima da média.

Almino é um escritor com muita competência para criar personagens, o que já estava mais do que confirmado em O livro das emoções, e que fica ainda mais visível em Cidade Livre. O personagem narrador, o João, tem toda a sua psicologia revelada por meio das ações, do sujeito que vive a história, sem saber que a está vivendo, e que somente se dará conta de onde esteve depois que a história, enfim, aconteceu. Lá, no passado, na Cidade Livre, ele descobriu, por exemplo, as delícias e as dores de ser humano — tanto ao ver as curvas de uma das tias como a partir da descoberta de que o seu pai só conseguia aplacar os impulsos insuportáveis no colo de uma prostituta que também era uma liderança espiritual e anunciava dias melhores.

O texto do romance é muito ágil (descompassado apenas nos poucos momentos em que a voz narrativa se assume como a de um blogueiro e conversa com os leitores). Mas é bem provável que o leitor que abrir o livro só o abandone depois de ultrapassar a página 240.

Além disso, há muitas informações bem costuradas, como, por exemplo, a recuperação histórica da visita de estrangeiros à Brasília, entre os quais Aldous Huxley e Elizabeth Bishop.

Mas, bem mais do que os sujeitos históricos conhecidos, o pai do narrador é quem se sobressai no enredo. Ele é apresentado como um empreendedor que, no fundo, sonhava em se tornar cronista. Fez de tudo para se aproximar das personalidades e dos visitantes ilustres, mas sempre se frustrou — e a narração de Cidade Livre, no blog, no futuro distante de quando as ações aconteceram, pode ser entendida como uma vingança do filho diante do fracasso do pai, que tentou, mas não conseguiu escrever sobre aqueles dias e noites que antecederam o início oficial de Brasília.

O pai do narrador faliu, perdeu tudo e ainda legou ao filho uma dívida, mas isso não se apresenta em dimensões trágicas, apenas como mais um capítulo que aconteceu e pode acontecer com qualquer sujeito. Esse pai, herói e anti-herói, também é uma representação do sujeito que se entrega às paixões, e as descrições dos contatos sexuais que teve com uma prostituta são brilhantes: Almino é um escritor que sabe, mesmo, apresentar em linhas e entrelinhas toda a viagem saborosa que o sexo pode ter, como fez em outras obras, e como realiza magistralmente emCidade Livre.

MARCIO RENATO DOS SANTOS
É jornalista e escritor. Vive em Curitiba (PR). Repórter da Gazeta do Povo, colabora com o Rascunho desde a edição número 1. De Teletransporte Nº 2 faz parte de seu primeiro livro, Minda-Au (Record).

http://rascunho.gazetadopovo.com.br/quase-perfeito/

Jornal RASCUNHO
Agosto 2010 / Ensaios e Resenhas / Quase perfeito

Quase perfeito

Resenha de Cidade livre, de João Almino

MARCIO RENATO DOS SANTOS

João Almino, o escritor que inventa e reinventa Brasília a cada novo livro publicado, recua no tempo em seu mais recente romance, Cidade Livre. O nome remete à expressão que identificava o local onde viveram muitos candangos, os trabalhadores que ergueram os palácios oficiais antes de a capital federal ter sido inaugurada, no dia 21 de abril de 1960.

A chamada Cidade Livre foi, desde o início, um local destinado a desaparecer, transitório por natureza, mas talvez tenha sido o embrião das cidades-satélites, das periferias não planejadas que, em alguma medida, humanizaram o plano-piloto.

Lá, como em qualquer espaço onde se reúnem mais de dois humanos, todos os sentimentos do mundo pulsavam. Amor. Ódio. Inveja. Desejo de vingança. Cobiça etc. E, em meio ao que parecia acabar rapidamente, acontece a narrativa.

A narração é feita por um homem chamado João, filho de um sujeito que empreendeu ações e tropeçou antes de Brasília ser inaugurada. João recupera informações que teriam sido repassadas por seu pai. A idéia é ótima. O problema é que o texto do livro é anunciado como se fosse o de um blog. E, lamentavelmente, o artifício não funciona. Por que, basta entrar na internet: nenhum blog tem texto tão longo e bem escrito como os que formam este romance. Então, esse é o grande, e é chato dizer isso, equívoco de João Almino: sugerir que a voz que narra seria a de um blogueiro.

Mas, se deixarmos de lado esse deslize, Cidade Livre se apresenta como uma obra de arte incomum.

Afinal, a trama que conduz, durante sete noites, o mesmo número de capítulos, é muito acima da média.

Almino é um escritor com muita competência para criar personagens, o que já estava mais do que confirmado em O livro das emoções, e que fica ainda mais visível em Cidade Livre. O personagem narrador, o João, tem toda a sua psicologia revelada por meio das ações, do sujeito que vive a história, sem saber que a está vivendo, e que somente se dará conta de onde esteve depois que a história, enfim, aconteceu. Lá, no passado, na Cidade Livre, ele descobriu, por exemplo, as delícias e as dores de ser humano — tanto ao ver as curvas de uma das tias como a partir da descoberta de que o seu pai só conseguia aplacar os impulsos insuportáveis no colo de uma prostituta que também era uma liderança espiritual e anunciava dias melhores.

O texto do romance é muito ágil (descompassado apenas nos poucos momentos em que a voz narrativa se assume como a de um blogueiro e conversa com os leitores). Mas é bem provável que o leitor que abrir o livro só o abandone depois de ultrapassar a página 240.

Além disso, há muitas informações bem costuradas, como, por exemplo, a recuperação histórica da visita de estrangeiros à Brasília, entre os quais Aldous Huxley e Elizabeth Bishop.

Mas, bem mais do que os sujeitos históricos conhecidos, o pai do narrador é quem se sobressai no enredo. Ele é apresentado como um empreendedor que, no fundo, sonhava em se tornar cronista. Fez de tudo para se aproximar das personalidades e dos visitantes ilustres, mas sempre se frustrou — e a narração de Cidade Livre, no blog, no futuro distante de quando as ações aconteceram, pode ser entendida como uma vingança do filho diante do fracasso do pai, que tentou, mas não conseguiu escrever sobre aqueles dias e noites que antecederam o início oficial de Brasília.

O pai do narrador faliu, perdeu tudo e ainda legou ao filho uma dívida, mas isso não se apresenta em dimensões trágicas, apenas como mais um capítulo que aconteceu e pode acontecer com qualquer sujeito. Esse pai, herói e anti-herói, também é uma representação do sujeito que se entrega às paixões, e as descrições dos contatos sexuais que teve com uma prostituta são brilhantes: Almino é um escritor que sabe, mesmo, apresentar em linhas e entrelinhas toda a viagem saborosa que o sexo pode ter, como fez em outras obras, e como realiza magistralmente emCidade Livre.

MARCIO RENATO DOS SANTOS
É jornalista e escritor. Vive em Curitiba (PR). Repórter da Gazeta do Povo, colabora com o Rascunho desde a edição número 1. De Teletransporte Nº 2 faz parte de seu primeiro livro, Minda-Au (Record).

http://rascunho.gazetadopovo.com.br/quase-perfeito/

Jornal RASCUNHO
Agosto 2010 / Ensaios e Resenhas / Quase perfeito

Quase perfeito

Resenha de Cidade livre, de João Almino

MARCIO RENATO DOS SANTOS

João Almino, o escritor que inventa e reinventa Brasília a cada novo livro publicado, recua no tempo em seu mais recente romance, Cidade Livre. O nome remete à expressão que identificava o local onde viveram muitos candangos, os trabalhadores que ergueram os palácios oficiais antes de a capital federal ter sido inaugurada, no dia 21 de abril de 1960.

A chamada Cidade Livre foi, desde o início, um local destinado a desaparecer, transitório por natureza, mas talvez tenha sido o embrião das cidades-satélites, das periferias não planejadas que, em alguma medida, humanizaram o plano-piloto.

Lá, como em qualquer espaço onde se reúnem mais de dois humanos, todos os sentimentos do mundo pulsavam. Amor. Ódio. Inveja. Desejo de vingança. Cobiça etc. E, em meio ao que parecia acabar rapidamente, acontece a narrativa.

A narração é feita por um homem chamado João, filho de um sujeito que empreendeu ações e tropeçou antes de Brasília ser inaugurada. João recupera informações que teriam sido repassadas por seu pai. A idéia é ótima. O problema é que o texto do livro é anunciado como se fosse o de um blog. E, lamentavelmente, o artifício não funciona. Por que, basta entrar na internet: nenhum blog tem texto tão longo e bem escrito como os que formam este romance. Então, esse é o grande, e é chato dizer isso, equívoco de João Almino: sugerir que a voz que narra seria a de um blogueiro.

Mas, se deixarmos de lado esse deslize, Cidade Livre se apresenta como uma obra de arte incomum.

Afinal, a trama que conduz, durante sete noites, o mesmo número de capítulos, é muito acima da média.

Almino é um escritor com muita competência para criar personagens, o que já estava mais do que confirmado em O livro das emoções, e que fica ainda mais visível em Cidade Livre. O personagem narrador, o João, tem toda a sua psicologia revelada por meio das ações, do sujeito que vive a história, sem saber que a está vivendo, e que somente se dará conta de onde esteve depois que a história, enfim, aconteceu. Lá, no passado, na Cidade Livre, ele descobriu, por exemplo, as delícias e as dores de ser humano — tanto ao ver as curvas de uma das tias como a partir da descoberta de que o seu pai só conseguia aplacar os impulsos insuportáveis no colo de uma prostituta que também era uma liderança espiritual e anunciava dias melhores.

O texto do romance é muito ágil (descompassado apenas nos poucos momentos em que a voz narrativa se assume como a de um blogueiro e conversa com os leitores). Mas é bem provável que o leitor que abrir o livro só o abandone depois de ultrapassar a página 240.

Além disso, há muitas informações bem costuradas, como, por exemplo, a recuperação histórica da visita de estrangeiros à Brasília, entre os quais Aldous Huxley e Elizabeth Bishop.

Mas, bem mais do que os sujeitos históricos conhecidos, o pai do narrador é quem se sobressai no enredo. Ele é apresentado como um empreendedor que, no fundo, sonhava em se tornar cronista. Fez de tudo para se aproximar das personalidades e dos visitantes ilustres, mas sempre se frustrou — e a narração de Cidade Livre, no blog, no futuro distante de quando as ações aconteceram, pode ser entendida como uma vingança do filho diante do fracasso do pai, que tentou, mas não conseguiu escrever sobre aqueles dias e noites que antecederam o início oficial de Brasília.

O pai do narrador faliu, perdeu tudo e ainda legou ao filho uma dívida, mas isso não se apresenta em dimensões trágicas, apenas como mais um capítulo que aconteceu e pode acontecer com qualquer sujeito. Esse pai, herói e anti-herói, também é uma representação do sujeito que se entrega às paixões, e as descrições dos contatos sexuais que teve com uma prostituta são brilhantes: Almino é um escritor que sabe, mesmo, apresentar em linhas e entrelinhas toda a viagem saborosa que o sexo pode ter, como fez em outras obras, e como realiza magistralmente emCidade Livre.

MARCIO RENATO DOS SANTOS
É jornalista e escritor. Vive em Curitiba (PR). Repórter da Gazeta do Povo, colabora com o Rascunho desde a edição número 1. De Teletransporte Nº 2 faz parte de seu primeiro livro, Minda-Au (Record).

http://rascunho.gazetadopovo.com.br/quase-perfeito/

Jornal RASCUNHO
Agosto 2010 / Ensaios e Resenhas / Quase perfeito

Quase perfeito

Resenha de Cidade livre, de João Almino

MARCIO RENATO DOS SANTOS

João Almino, o escritor que inventa e reinventa Brasília a cada novo livro publicado, recua no tempo em seu mais recente romance, Cidade Livre. O nome remete à expressão que identificava o local onde viveram muitos candangos, os trabalhadores que ergueram os palácios oficiais antes de a capital federal ter sido inaugurada, no dia 21 de abril de 1960.

A chamada Cidade Livre foi, desde o início, um local destinado a desaparecer, transitório por natureza, mas talvez tenha sido o embrião das cidades-satélites, das periferias não planejadas que, em alguma medida, humanizaram o plano-piloto.

Lá, como em qualquer espaço onde se reúnem mais de dois humanos, todos os sentimentos do mundo pulsavam. Amor. Ódio. Inveja. Desejo de vingança. Cobiça etc. E, em meio ao que parecia acabar rapidamente, acontece a narrativa.

A narração é feita por um homem chamado João, filho de um sujeito que empreendeu ações e tropeçou antes de Brasília ser inaugurada. João recupera informações que teriam sido repassadas por seu pai. A idéia é ótima. O problema é que o texto do livro é anunciado como se fosse o de um blog. E, lamentavelmente, o artifício não funciona. Por que, basta entrar na internet: nenhum blog tem texto tão longo e bem escrito como os que formam este romance. Então, esse é o grande, e é chato dizer isso, equívoco de João Almino: sugerir que a voz que narra seria a de um blogueiro.

Mas, se deixarmos de lado esse deslize, Cidade Livre se apresenta como uma obra de arte incomum.

Afinal, a trama que conduz, durante sete noites, o mesmo número de capítulos, é muito acima da média.

Almino é um escritor com muita competência para criar personagens, o que já estava mais do que confirmado em O livro das emoções, e que fica ainda mais visível em Cidade Livre. O personagem narrador, o João, tem toda a sua psicologia revelada por meio das ações, do sujeito que vive a história, sem saber que a está vivendo, e que somente se dará conta de onde esteve depois que a história, enfim, aconteceu. Lá, no passado, na Cidade Livre, ele descobriu, por exemplo, as delícias e as dores de ser humano — tanto ao ver as curvas de uma das tias como a partir da descoberta de que o seu pai só conseguia aplacar os impulsos insuportáveis no colo de uma prostituta que também era uma liderança espiritual e anunciava dias melhores.

O texto do romance é muito ágil (descompassado apenas nos poucos momentos em que a voz narrativa se assume como a de um blogueiro e conversa com os leitores). Mas é bem provável que o leitor que abrir o livro só o abandone depois de ultrapassar a página 240.

Além disso, há muitas informações bem costuradas, como, por exemplo, a recuperação histórica da visita de estrangeiros à Brasília, entre os quais Aldous Huxley e Elizabeth Bishop.

Mas, bem mais do que os sujeitos históricos conhecidos, o pai do narrador é quem se sobressai no enredo. Ele é apresentado como um empreendedor que, no fundo, sonhava em se tornar cronista. Fez de tudo para se aproximar das personalidades e dos visitantes ilustres, mas sempre se frustrou — e a narração de Cidade Livre, no blog, no futuro distante de quando as ações aconteceram, pode ser entendida como uma vingança do filho diante do fracasso do pai, que tentou, mas não conseguiu escrever sobre aqueles dias e noites que antecederam o início oficial de Brasília.

O pai do narrador faliu, perdeu tudo e ainda legou ao filho uma dívida, mas isso não se apresenta em dimensões trágicas, apenas como mais um capítulo que aconteceu e pode acontecer com qualquer sujeito. Esse pai, herói e anti-herói, também é uma representação do sujeito que se entrega às paixões, e as descrições dos contatos sexuais que teve com uma prostituta são brilhantes: Almino é um escritor que sabe, mesmo, apresentar em linhas e entrelinhas toda a viagem saborosa que o sexo pode ter, como fez em outras obras, e como realiza magistralmente emCidade Livre.

MARCIO RENATO DOS SANTOS
É jornalista e escritor. Vive em Curitiba (PR). Repórter da Gazeta do Povo, colabora com o Rascunho desde a edição número 1. De Teletransporte Nº 2 faz parte de seu primeiro livro, Minda-Au (Record).

http://rascunho.gazetadopovo.com.br/quase-perfeito/