Almino – Um amante do progresso brasileiro

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[:pt]Almino – Um amante do progresso brasileiro
Diego Vives, Princeton University

Mario Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura e um dos líderes da literatura latino-americana da segunda metade do século XX – descreveu numa de suas aulas de Princeton os romances comprometidos com a mobilização social, cultural e política: “Os grandes romances tentaram abordar temas importantes para os indivíduos inseridos num contexto situacional específico, muitas vezes conhecido como realidade. Escrever romances é uma forma de quebrar a realidade.” Como disse Vargas Llosa, o romance de João Almino, As Cinco Estações de Amor, é altamente relevante em seu conteúdo sócio-político porque busca quebrar a realidade de Brasília dos anos 1960-1970. A tímida e hesitante Ana – com sua atrevida e corajosa contraparte Diana – explora através do amor temas extremamente delicados na cidade de Brasília.

A cidade que ousou sonhar e ser o rosto visível de um Brasil novo, mais justo e mais inclusivo, é o cenário perfeito onde Almino nos apresenta questões tanto morais como políticas que se atrevem a questionar e fazer uma crítica do paradigma sociocultural de seu tempo. João escreveu este livro desde o exterior, com uma lente crítica e audaz que lhe permitiu não só cobrir assuntos tabu da sociedade brasileira, mas também foi capaz de captar um sentimento de indecisão e decaimento da cidade utópica de Brasília, que não alcançou atender às expectativas de um novo Brasil.

O romance começa com uma análise introspectiva de Ana, o personagem principal da história, que aguarda a chegada ao país de seu velho amigo Norberto. Ana se move num círculo socioeconômico de classe média e tem um grupo de amigos (autodenominados “os inúteis”). Helena – a mais revolucionária do grupo – desapareceu em tempos de ditadura lutando contra o governo militar. É neste contexto cheio de contrastes que as diversas amizades da história acabam ilustrando as inconsistências da sociedade brasileira da época.

Almino nos apresenta o primeiro tema progressista quando Ana recebe a tão aguardada carta de Norberto. A carta vem com uma foto que desafia o paradigma no contexto brasileiro: Norberto decidiu realizar uma operação para mudar o sexo e pretende usar o documento de Helena (que desapareceu) para ser validada dentro do quadro legal como brasileira e sentir-se “Berta”. Com a chegada de Berta na casa de Ana, Almino explora a discriminação contra pessoas transgêneros, como também o tabu relacionado à identidade de gênero que implica “ser mulher” na sociedade brasileira: “Toma injeções de hormônio para ganhar curvas, ter seios fartos e bunda arredondada… De fato, se não é pelo pescoço e pelas mãos, ninguém nota que Berta é um travesti. Faz curso intensivo de como ser mulher. Devora tudo quanto é revista feminina” (Almino 75).

Precisamente, Almino critica a objetivação da mulher brasileira como uma mulher voluptuosa. Essa mulher é forçada (de acordo com a construção social da época) a ser coquete, provocante e sexualmente disponível para qualquer homem que a quiser. Almino decompõe esta ideia com o personagem de Berta, que é cuidadosamente introduzido na história para fazer o leitor refletir sobre essa realidade alarmante. Almino vai mais longe e se atreve a sugerir que essas mulheres (Ana e Berta) não precisam de homens em suas vidas e que podem criar um núcleo familiar sem eles: “preciso de alguém com quem desabafar, compartilhar minhas tristezas, alegrias, medos, esperanças, suspeitas, pondo para fora o que me esmaga lá dentro, e ninguém é melhor que ela… Tenho uma amiga, Berta; logo, existo” (Almino 74).

É pertinente identificar que as figuras femininas na história de Almino são independentes, autônomas e se atrevem a desafiar o legado do patriarcado brasileiro. É particularmente interessante como Almino, sendo um homem, percebe a necessidade de abordar esta questão em seu romance. O escritor torna-se um ente mobilizador de câmbio social; seu romance não só procura entreter, mas tenta gerar – consciente ou inconscientemente – uma mobilização social no leitor. Ana e Helena são mulheres fortes que se atrevem a lutar por seus ideais, tanto políticos como emocionais. Na introspecção de Ana e na busca de seu “livro absoluto” (um conceito altamente existencialista), aprendemos sobre seus medos, dúvidas, triunfos e falhas no amor. Ana foi casada, sofreu e experimentou sua sexualidade com diferentes parceiros. Essa realidade é audaz e, muitas vezes, é desaprovada no contexto sociocultural brasileiro. Por um lado, quando Cadu tem relações com muitas mulheres “ele vê o mundo como liberdade a esperança… um desejo de agradar às mulheres por quem se apaixona de verdade” (Almino 128), por outro lado, quando Ana explora sua sexualidade, ela é descrita como “sua puta, sua putinha” (Almino 148). Essa discrepância no discurso sexual brasileiro é altamente machista e exemplifica um dos grandes problemas que Almino identifica com a escritura deste romance.

Da mesma forma que Almino apresenta o problema dos padrões morais em relação às liberdades sexuais, ele sugere dois dos tópicos mais tabu da América Latina: aborto e suicídio. No caso do aborto, o autor constrói uma história sutil – quase de forma irônica – para ilustrar o pouco que se diz sobre esse tema em Latinoamérica. Vera, a filha de Berta, decidiu se casar quando engravidou. Embora o homem ofereça “assumir” sua responsabilidade e proponha casamento, Vera decide realizar um aborto e não se casar. É importante notar que o aborto é ilegal no Brasil (mas totalmente acessível para pessoas que podem pagar o procedimento numa clínica privada). Ironicamente, Almino descreve a cena em apenas algumas linhas, imitando o espaço mínimo que isso tem na sociedade brasileira: “se deve pura e simplemente fazer um aborto… fisicamente ela não sofre muito… Por milagre conseguimos que tudo se faça discretamente, sem conhecimento de Berta, que está certa de que o casamento não se deu principalmente devido às restrições de Regina” (Almino 116).

Em maior medida do que o aborto, o assunto tabu do suicídio é abordado perto do final do romance, no desenlace da história. Ana decide atentar contra sua própria vida, mas sobrevive ao tiro na cabeça: “alcanço o revólver, aponto-o para o meu ouvido e disparo. Quando recobro a consciência, vejo um crucifixo no alto da parede branca”(Almino 171). O mais interessante é que, uma vez que Ana sobrevive, sua família esconde o que aconteceu, argumentando que ela sofreu um acidente de carro: “Difundiram a versão – com mina conivência, é claro – de que sofri um acidente de carro” (Almino 183). Este assunto é particularmente sensível, considerando que a religião católica (predominante no Brasil) condena fortemente essa ação e classifica-a como um pecado mortal, bem preconceito socialmente.

Todos esses tópicos progressistas estão conectados através de um tema universal: o amor. A novela não só é capaz de capturar a história de uma mulher corajosa que sofreu e viveu por amor, mas também incorpora o contexto histórico para gerar um forte comentário social em relação aos valores morais, sociais e políticos dos anos 1960-70 no Brasil. Almino, sem dúvida, escreveu um livro que procurava entreter e contar uma história interessante sobre Brasília, mas em maior medida, ele escreveu um comentário social sobre o que precisava mudar na sociedade latino-americana, que havia sido historicamente marcada pelos abusos contra as mulheres. O entusiasmo do progresso para a sociedade brasileira é ativado por uma geração de escritores que transcenderam com suas obras literárias, deixando um legado social e começando a mobilizar a sociedade em torno a uma discussão necessária sobre temas que não estavam sendo falados.
[:en]Almino – Um amante do progresso brasileiro
Diego Vives, Princeton University

Mario Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura e um dos líderes da literatura latino-americana da segunda metade do século XX – descreveu numa de suas aulas de Princeton os romances comprometidos com a mobilização social, cultural e política: “Os grandes romances tentaram abordar temas importantes para os indivíduos inseridos num contexto situacional específico, muitas vezes conhecido como realidade. Escrever romances é uma forma de quebrar a realidade.” Como disse Vargas Llosa, o romance de João Almino, As Cinco Estações de Amor, é altamente relevante em seu conteúdo sócio-político porque busca quebrar a realidade de Brasília dos anos 1960-1970. A tímida e hesitante Ana – com sua atrevida e corajosa contraparte Diana – explora através do amor temas extremamente delicados na cidade de Brasília.
A cidade que ousou sonhar e ser o rosto visível de um Brasil novo, mais justo e mais inclusivo, é o cenário perfeito onde Almino nos apresenta questões tanto morais como políticas que se atrevem a questionar e fazer uma crítica do paradigma sociocultural de seu tempo. João escreveu este livro desde o exterior, com uma lente crítica e audaz que lhe permitiu não só cobrir assuntos tabu da sociedade brasileira, mas também foi capaz de captar um sentimento de indecisão e decaimento da cidade utópica de Brasília, que não alcançou atender às expectativas de um novo Brasil.
O romance começa com uma análise introspectiva de Ana, o personagem principal da história, que aguarda a chegada ao país de seu velho amigo Norberto. Ana se move num círculo socioeconômico de classe média e tem um grupo de amigos (autodenominados “os inúteis”). Helena – a mais revolucionária do grupo – desapareceu em tempos de ditadura lutando contra o governo militar. É neste contexto cheio de contrastes que as diversas amizades da história acabam ilustrando as inconsistências da sociedade brasileira da época.
Almino nos apresenta o primeiro tema progressista quando Ana recebe a tão aguardada carta de Norberto. A carta vem com uma foto que desafia o paradigma no contexto brasileiro: Norberto decidiu realizar uma operação para mudar o sexo e pretende usar o documento de Helena (que desapareceu) para ser validada dentro do quadro legal como brasileira e sentir-se “Berta”. Com a chegada de Berta na casa de Ana, Almino explora a discriminação contra pessoas transgêneros, como também o tabu relacionado à identidade de gênero que implica “ser mulher” na sociedade brasileira: “Toma injeções de hormônio para ganhar curvas, ter seios fartos e bunda arredondada… De fato, se não é pelo pescoço e pelas mãos, ninguém nota que Berta é um travesti. Faz curso intensivo de como ser mulher. Devora tudo quanto é revista feminina” (Almino 75).
Precisamente, Almino critica a objetivação da mulher brasileira como uma mulher voluptuosa. Essa mulher é forçada (de acordo com a construção social da época) a ser coquete, provocante e sexualmente disponível para qualquer homem que a quiser. Almino decompõe esta ideia com o personagem de Berta, que é cuidadosamente introduzido na história para fazer o leitor refletir sobre essa realidade alarmante. Almino vai mais longe e se atreve a sugerir que essas mulheres (Ana e Berta) não precisam de homens em suas vidas e que podem criar um núcleo familiar sem eles: “preciso de alguém com quem desabafar, compartilhar minhas tristezas, alegrias, medos, esperanças, suspeitas, pondo para fora o que me esmaga lá dentro, e ninguém é melhor que ela… Tenho uma amiga, Berta; logo, existo” (Almino 74).
É pertinente identificar que as figuras femininas na história de Almino são independentes, autônomas e se atrevem a desafiar o legado do patriarcado brasileiro. É particularmente interessante como Almino, sendo um homem, percebe a necessidade de abordar esta questão em seu romance. O escritor torna-se um ente mobilizador de câmbio social; seu romance não só procura entreter, mas tenta gerar – consciente ou inconscientemente – uma mobilização social no leitor. Ana e Helena são mulheres fortes que se atrevem a lutar por seus ideais, tanto políticos como emocionais. Na introspecção de Ana e na busca de seu “livro absoluto” (um conceito altamente existencialista), aprendemos sobre seus medos, dúvidas, triunfos e falhas no amor. Ana foi casada, sofreu e experimentou sua sexualidade com diferentes parceiros. Essa realidade é audaz e, muitas vezes, é desaprovada no contexto sociocultural brasileiro. Por um lado, quando Cadu tem relações com muitas mulheres “ele vê o mundo como liberdade a esperança… um desejo de agradar às mulheres por quem se apaixona de verdade” (Almino 128), por outro lado, quando Ana explora sua sexualidade, ela é descrita como “sua puta, sua putinha” (Almino 148). Essa discrepância no discurso sexual brasileiro é altamente machista e exemplifica um dos grandes problemas que Almino identifica com a escritura deste romance.
Da mesma forma que Almino apresenta o problema dos padrões morais em relação às liberdades sexuais, ele sugere dois dos tópicos mais tabu da América Latina: aborto e suicídio. No caso do aborto, o autor constrói uma história sutil – quase de forma irônica – para ilustrar o pouco que se diz sobre esse tema em Latinoamérica. Vera, a filha de Berta, decidiu se casar quando engravidou. Embora o homem ofereça “assumir” sua responsabilidade e proponha casamento, Vera decide realizar um aborto e não se casar. É importante notar que o aborto é ilegal no Brasil (mas totalmente acessível para pessoas que podem pagar o procedimento numa clínica privada). Ironicamente, Almino descreve a cena em apenas algumas linhas, imitando o espaço mínimo que isso tem na sociedade brasileira: “se deve pura e simplemente fazer um aborto… fisicamente ela não sofre muito… Por milagre conseguimos que tudo se faça discretamente, sem conhecimento de Berta, que está certa de que o casamento não se deu principalmente devido às restrições de Regina” (Almino 116).
Em maior medida do que o aborto, o assunto tabu do suicídio é abordado perto do final do romance, no desenlace da história. Ana decide atentar contra sua própria vida, mas sobrevive ao tiro na cabeça: “alcanço o revólver, aponto-o para o meu ouvido e disparo. Quando recobro a consciência, vejo um crucifixo no alto da parede branca”(Almino 171). O mais interessante é que, uma vez que Ana sobrevive, sua família esconde o que aconteceu, argumentando que ela sofreu um acidente de carro: “Difundiram a versão – com mina conivência, é claro – de que sofri um acidente de carro” (Almino 183). Este assunto é particularmente sensível, considerando que a religião católica (predominante no Brasil) condena fortemente essa ação e classifica-a como um pecado mortal, bem preconceito socialmente.
Todos esses tópicos progressistas estão conectados através de um tema universal: o amor. A novela não só é capaz de capturar a história de uma mulher corajosa que sofreu e viveu por amor, mas também incorpora o contexto histórico para gerar um forte comentário social em relação aos valores morais, sociais e políticos dos anos 1960-70 no Brasil. Almino, sem dúvida, escreveu um livro que procurava entreter e contar uma história interessante sobre Brasília, mas em maior medida, ele escreveu um comentário social sobre o que precisava mudar na sociedade latino-americana, que havia sido historicamente marcada pelos abusos contra as mulheres. O entusiasmo do progresso para a sociedade brasileira é ativado por uma geração de escritores que transcenderam com suas obras literárias, deixando um legado social e começando a mobilizar a sociedade em torno a uma discussão necessária sobre temas que não estavam sendo falados.
[:es]Almino – Um amante do progresso brasileiro
Diego Vives, Princeton University

Mario Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura e um dos líderes da literatura latino-americana da segunda metade do século XX – descreveu numa de suas aulas de Princeton os romances comprometidos com a mobilização social, cultural e política: “Os grandes romances tentaram abordar temas importantes para os indivíduos inseridos num contexto situacional específico, muitas vezes conhecido como realidade. Escrever romances é uma forma de quebrar a realidade.” Como disse Vargas Llosa, o romance de João Almino, As Cinco Estações de Amor, é altamente relevante em seu conteúdo sócio-político porque busca quebrar a realidade de Brasília dos anos 1960-1970. A tímida e hesitante Ana – com sua atrevida e corajosa contraparte Diana – explora através do amor temas extremamente delicados na cidade de Brasília.
A cidade que ousou sonhar e ser o rosto visível de um Brasil novo, mais justo e mais inclusivo, é o cenário perfeito onde Almino nos apresenta questões tanto morais como políticas que se atrevem a questionar e fazer uma crítica do paradigma sociocultural de seu tempo. João escreveu este livro desde o exterior, com uma lente crítica e audaz que lhe permitiu não só cobrir assuntos tabu da sociedade brasileira, mas também foi capaz de captar um sentimento de indecisão e decaimento da cidade utópica de Brasília, que não alcançou atender às expectativas de um novo Brasil.
O romance começa com uma análise introspectiva de Ana, o personagem principal da história, que aguarda a chegada ao país de seu velho amigo Norberto. Ana se move num círculo socioeconômico de classe média e tem um grupo de amigos (autodenominados “os inúteis”). Helena – a mais revolucionária do grupo – desapareceu em tempos de ditadura lutando contra o governo militar. É neste contexto cheio de contrastes que as diversas amizades da história acabam ilustrando as inconsistências da sociedade brasileira da época.
Almino nos apresenta o primeiro tema progressista quando Ana recebe a tão aguardada carta de Norberto. A carta vem com uma foto que desafia o paradigma no contexto brasileiro: Norberto decidiu realizar uma operação para mudar o sexo e pretende usar o documento de Helena (que desapareceu) para ser validada dentro do quadro legal como brasileira e sentir-se “Berta”. Com a chegada de Berta na casa de Ana, Almino explora a discriminação contra pessoas transgêneros, como também o tabu relacionado à identidade de gênero que implica “ser mulher” na sociedade brasileira: “Toma injeções de hormônio para ganhar curvas, ter seios fartos e bunda arredondada… De fato, se não é pelo pescoço e pelas mãos, ninguém nota que Berta é um travesti. Faz curso intensivo de como ser mulher. Devora tudo quanto é revista feminina” (Almino 75).
Precisamente, Almino critica a objetivação da mulher brasileira como uma mulher voluptuosa. Essa mulher é forçada (de acordo com a construção social da época) a ser coquete, provocante e sexualmente disponível para qualquer homem que a quiser. Almino decompõe esta ideia com o personagem de Berta, que é cuidadosamente introduzido na história para fazer o leitor refletir sobre essa realidade alarmante. Almino vai mais longe e se atreve a sugerir que essas mulheres (Ana e Berta) não precisam de homens em suas vidas e que podem criar um núcleo familiar sem eles: “preciso de alguém com quem desabafar, compartilhar minhas tristezas, alegrias, medos, esperanças, suspeitas, pondo para fora o que me esmaga lá dentro, e ninguém é melhor que ela… Tenho uma amiga, Berta; logo, existo” (Almino 74).
É pertinente identificar que as figuras femininas na história de Almino são independentes, autônomas e se atrevem a desafiar o legado do patriarcado brasileiro. É particularmente interessante como Almino, sendo um homem, percebe a necessidade de abordar esta questão em seu romance. O escritor torna-se um ente mobilizador de câmbio social; seu romance não só procura entreter, mas tenta gerar – consciente ou inconscientemente – uma mobilização social no leitor. Ana e Helena são mulheres fortes que se atrevem a lutar por seus ideais, tanto políticos como emocionais. Na introspecção de Ana e na busca de seu “livro absoluto” (um conceito altamente existencialista), aprendemos sobre seus medos, dúvidas, triunfos e falhas no amor. Ana foi casada, sofreu e experimentou sua sexualidade com diferentes parceiros. Essa realidade é audaz e, muitas vezes, é desaprovada no contexto sociocultural brasileiro. Por um lado, quando Cadu tem relações com muitas mulheres “ele vê o mundo como liberdade a esperança… um desejo de agradar às mulheres por quem se apaixona de verdade” (Almino 128), por outro lado, quando Ana explora sua sexualidade, ela é descrita como “sua puta, sua putinha” (Almino 148). Essa discrepância no discurso sexual brasileiro é altamente machista e exemplifica um dos grandes problemas que Almino identifica com a escritura deste romance.
Da mesma forma que Almino apresenta o problema dos padrões morais em relação às liberdades sexuais, ele sugere dois dos tópicos mais tabu da América Latina: aborto e suicídio. No caso do aborto, o autor constrói uma história sutil – quase de forma irônica – para ilustrar o pouco que se diz sobre esse tema em Latinoamérica. Vera, a filha de Berta, decidiu se casar quando engravidou. Embora o homem ofereça “assumir” sua responsabilidade e proponha casamento, Vera decide realizar um aborto e não se casar. É importante notar que o aborto é ilegal no Brasil (mas totalmente acessível para pessoas que podem pagar o procedimento numa clínica privada). Ironicamente, Almino descreve a cena em apenas algumas linhas, imitando o espaço mínimo que isso tem na sociedade brasileira: “se deve pura e simplemente fazer um aborto… fisicamente ela não sofre muito… Por milagre conseguimos que tudo se faça discretamente, sem conhecimento de Berta, que está certa de que o casamento não se deu principalmente devido às restrições de Regina” (Almino 116).
Em maior medida do que o aborto, o assunto tabu do suicídio é abordado perto do final do romance, no desenlace da história. Ana decide atentar contra sua própria vida, mas sobrevive ao tiro na cabeça: “alcanço o revólver, aponto-o para o meu ouvido e disparo. Quando recobro a consciência, vejo um crucifixo no alto da parede branca”(Almino 171). O mais interessante é que, uma vez que Ana sobrevive, sua família esconde o que aconteceu, argumentando que ela sofreu um acidente de carro: “Difundiram a versão – com mina conivência, é claro – de que sofri um acidente de carro” (Almino 183). Este assunto é particularmente sensível, considerando que a religião católica (predominante no Brasil) condena fortemente essa ação e classifica-a como um pecado mortal, bem preconceito socialmente.
Todos esses tópicos progressistas estão conectados através de um tema universal: o amor. A novela não só é capaz de capturar a história de uma mulher corajosa que sofreu e viveu por amor, mas também incorpora o contexto histórico para gerar um forte comentário social em relação aos valores morais, sociais e políticos dos anos 1960-70 no Brasil. Almino, sem dúvida, escreveu um livro que procurava entreter e contar uma história interessante sobre Brasília, mas em maior medida, ele escreveu um comentário social sobre o que precisava mudar na sociedade latino-americana, que havia sido historicamente marcada pelos abusos contra as mulheres. O entusiasmo do progresso para a sociedade brasileira é ativado por uma geração de escritores que transcenderam com suas obras literárias, deixando um legado social e começando a mobilizar a sociedade em torno a uma discussão necessária sobre temas que não estavam sendo falados.
[:fr]Almino – Um amante do progresso brasileiro
Diego Vives, Princeton University

Mario Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura e um dos líderes da literatura latino-americana da segunda metade do século XX – descreveu numa de suas aulas de Princeton os romances comprometidos com a mobilização social, cultural e política: “Os grandes romances tentaram abordar temas importantes para os indivíduos inseridos num contexto situacional específico, muitas vezes conhecido como realidade. Escrever romances é uma forma de quebrar a realidade.” Como disse Vargas Llosa, o romance de João Almino, As Cinco Estações de Amor, é altamente relevante em seu conteúdo sócio-político porque busca quebrar a realidade de Brasília dos anos 1960-1970. A tímida e hesitante Ana – com sua atrevida e corajosa contraparte Diana – explora através do amor temas extremamente delicados na cidade de Brasília.
A cidade que ousou sonhar e ser o rosto visível de um Brasil novo, mais justo e mais inclusivo, é o cenário perfeito onde Almino nos apresenta questões tanto morais como políticas que se atrevem a questionar e fazer uma crítica do paradigma sociocultural de seu tempo. João escreveu este livro desde o exterior, com uma lente crítica e audaz que lhe permitiu não só cobrir assuntos tabu da sociedade brasileira, mas também foi capaz de captar um sentimento de indecisão e decaimento da cidade utópica de Brasília, que não alcançou atender às expectativas de um novo Brasil.
O romance começa com uma análise introspectiva de Ana, o personagem principal da história, que aguarda a chegada ao país de seu velho amigo Norberto. Ana se move num círculo socioeconômico de classe média e tem um grupo de amigos (autodenominados “os inúteis”). Helena – a mais revolucionária do grupo – desapareceu em tempos de ditadura lutando contra o governo militar. É neste contexto cheio de contrastes que as diversas amizades da história acabam ilustrando as inconsistências da sociedade brasileira da época.
Almino nos apresenta o primeiro tema progressista quando Ana recebe a tão aguardada carta de Norberto. A carta vem com uma foto que desafia o paradigma no contexto brasileiro: Norberto decidiu realizar uma operação para mudar o sexo e pretende usar o documento de Helena (que desapareceu) para ser validada dentro do quadro legal como brasileira e sentir-se “Berta”. Com a chegada de Berta na casa de Ana, Almino explora a discriminação contra pessoas transgêneros, como também o tabu relacionado à identidade de gênero que implica “ser mulher” na sociedade brasileira: “Toma injeções de hormônio para ganhar curvas, ter seios fartos e bunda arredondada… De fato, se não é pelo pescoço e pelas mãos, ninguém nota que Berta é um travesti. Faz curso intensivo de como ser mulher. Devora tudo quanto é revista feminina” (Almino 75).
Precisamente, Almino critica a objetivação da mulher brasileira como uma mulher voluptuosa. Essa mulher é forçada (de acordo com a construção social da época) a ser coquete, provocante e sexualmente disponível para qualquer homem que a quiser. Almino decompõe esta ideia com o personagem de Berta, que é cuidadosamente introduzido na história para fazer o leitor refletir sobre essa realidade alarmante. Almino vai mais longe e se atreve a sugerir que essas mulheres (Ana e Berta) não precisam de homens em suas vidas e que podem criar um núcleo familiar sem eles: “preciso de alguém com quem desabafar, compartilhar minhas tristezas, alegrias, medos, esperanças, suspeitas, pondo para fora o que me esmaga lá dentro, e ninguém é melhor que ela… Tenho uma amiga, Berta; logo, existo” (Almino 74).
É pertinente identificar que as figuras femininas na história de Almino são independentes, autônomas e se atrevem a desafiar o legado do patriarcado brasileiro. É particularmente interessante como Almino, sendo um homem, percebe a necessidade de abordar esta questão em seu romance. O escritor torna-se um ente mobilizador de câmbio social; seu romance não só procura entreter, mas tenta gerar – consciente ou inconscientemente – uma mobilização social no leitor. Ana e Helena são mulheres fortes que se atrevem a lutar por seus ideais, tanto políticos como emocionais. Na introspecção de Ana e na busca de seu “livro absoluto” (um conceito altamente existencialista), aprendemos sobre seus medos, dúvidas, triunfos e falhas no amor. Ana foi casada, sofreu e experimentou sua sexualidade com diferentes parceiros. Essa realidade é audaz e, muitas vezes, é desaprovada no contexto sociocultural brasileiro. Por um lado, quando Cadu tem relações com muitas mulheres “ele vê o mundo como liberdade a esperança… um desejo de agradar às mulheres por quem se apaixona de verdade” (Almino 128), por outro lado, quando Ana explora sua sexualidade, ela é descrita como “sua puta, sua putinha” (Almino 148). Essa discrepância no discurso sexual brasileiro é altamente machista e exemplifica um dos grandes problemas que Almino identifica com a escritura deste romance.
Da mesma forma que Almino apresenta o problema dos padrões morais em relação às liberdades sexuais, ele sugere dois dos tópicos mais tabu da América Latina: aborto e suicídio. No caso do aborto, o autor constrói uma história sutil – quase de forma irônica – para ilustrar o pouco que se diz sobre esse tema em Latinoamérica. Vera, a filha de Berta, decidiu se casar quando engravidou. Embora o homem ofereça “assumir” sua responsabilidade e proponha casamento, Vera decide realizar um aborto e não se casar. É importante notar que o aborto é ilegal no Brasil (mas totalmente acessível para pessoas que podem pagar o procedimento numa clínica privada). Ironicamente, Almino descreve a cena em apenas algumas linhas, imitando o espaço mínimo que isso tem na sociedade brasileira: “se deve pura e simplemente fazer um aborto… fisicamente ela não sofre muito… Por milagre conseguimos que tudo se faça discretamente, sem conhecimento de Berta, que está certa de que o casamento não se deu principalmente devido às restrições de Regina” (Almino 116).
Em maior medida do que o aborto, o assunto tabu do suicídio é abordado perto do final do romance, no desenlace da história. Ana decide atentar contra sua própria vida, mas sobrevive ao tiro na cabeça: “alcanço o revólver, aponto-o para o meu ouvido e disparo. Quando recobro a consciência, vejo um crucifixo no alto da parede branca”(Almino 171). O mais interessante é que, uma vez que Ana sobrevive, sua família esconde o que aconteceu, argumentando que ela sofreu um acidente de carro: “Difundiram a versão – com mina conivência, é claro – de que sofri um acidente de carro” (Almino 183). Este assunto é particularmente sensível, considerando que a religião católica (predominante no Brasil) condena fortemente essa ação e classifica-a como um pecado mortal, bem preconceito socialmente.
Todos esses tópicos progressistas estão conectados através de um tema universal: o amor. A novela não só é capaz de capturar a história de uma mulher corajosa que sofreu e viveu por amor, mas também incorpora o contexto histórico para gerar um forte comentário social em relação aos valores morais, sociais e políticos dos anos 1960-70 no Brasil. Almino, sem dúvida, escreveu um livro que procurava entreter e contar uma história interessante sobre Brasília, mas em maior medida, ele escreveu um comentário social sobre o que precisava mudar na sociedade latino-americana, que havia sido historicamente marcada pelos abusos contra as mulheres. O entusiasmo do progresso para a sociedade brasileira é ativado por uma geração de escritores que transcenderam com suas obras literárias, deixando um legado social e começando a mobilizar a sociedade em torno a uma discussão necessária sobre temas que não estavam sendo falados.
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