O realismo carnavalesco de João Almino. Jornal da Tarde, sobre Samba-Enredo

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Caderno de Sábado, JORNAL DA TARDE, São Paulo, 13 de agosto de 1994

Por Oscar D′Ambrosio

Enquanto alguns críticos e autores afirmam que o romance está morto ou agonizante e que todas as histórias já foram escritas, há os que resistem ao pessimismo e ao universo de infinitas citações que caracteriza o inefável, indefinível e intangível pós-modernismo.

João Almino, cônsul-geral do Brasil em San Francisco (EUA), é uma prova de que ainda há esperanças para a arte romanesca. Em seu primeiro romance, Idéias para onde passar o rim do mundo, demonstrava, já no título, ironia e senso de humor perante as insistentes previsões apocalípticas de todo final de século.

O COMPUTADOR E A MORTA

Em Samba-enredo, João Almino vai além. O romance parte da interação inusitada entre duas personagens, no mínimo, bizarras: Gigi e Sílvia. A primeira é um computador que luta para expressar emoções que lhe custa captar. A segunda é uma morta empenhada em escrever um samba-enredo para homenagear o pai.

“Roqueira carnavalesca e fanática por desfiles de escolas de samba”, Sílvia procura juntar suas emoções, recalques, medos e inseguranças à frieza da máquina. No entanto, uma morta não pensa mais como um ser vivo e o computador Gigi não se mostra tão racional e exato como se poderia esperar.

Deste universo de contradições e improbabilidades, nasce uma prosa fragmentada, conduzida por Gigi, o computador-narrador disposto a vasculhar seus próprios pensamentos e a mente de Sílvia em busca de informações para o samba-enredo.

O livro ganha dimensão alegórica por diversos fatores. Um deles é que Paulo Antonio Fernandes, o pai de Sílvia, não é um cidadão comum, mas o presidente do Brasil. Além disso, é negro, fato que desperta simpatia popular e reações contrárias dos militares.

João Almino trabalha sempre com a relativização de tudo e de todos. O computador se diz assexuado, mas adota um nome feminino e acaba por se apaixonar por Sílvia. As fronteiras entre os sexos se diluem em torno das dificuldades, tão humanas, de expressar sentimentos sem temer preconceitos, derrubando bloqueios próprios e alheios.

Outro exemplo dessa busca permanente de não estabelecer verdades absolutas é a personagem Ana Kaufman. A ex-marxista estruturalista realiza sorteios, com pedacinhos de papel, dentro de uma catedral, em pleno carnaval, para decidir se investe em sua relação como amante do presidente, seqüestrado por engano em uma atrapalhada ação criminosa.

A atmosfera do carnaval permeia todo o livro, um ambiente em todo impossível se torna possível graças ao poder de João Almino de instaurar um realismo carnavalesco, correspondente nacional ao realismo mágico de Cortázar, Borges e Garcia Márquez.

ALEGORIA DO BRASIL

O universo do carnaval é muito apropriado para abrigar personagens que se confundem pela falta de habilidade em manusear as diversas máscaras sociais. Seqüestradores fracassados, poetas populares de rimas pobres e falsas videntes formam uma alegoria do Brasil.

Mais do que uma visão pessimista ou otimista, o romance, criado a partir do improvável diálogo entre um computador e uma morta, questiona o poder da palavra de representar a realidade e faz um necessário alerta contra os riscos de considerar a humanidade em extinção.

João Almino, com seu Samba-enredo, atesta que o romance pode não morrer. Sua sobrevivência depende de autores talentosos, aptos a imaginar histórias ainda não contadas e a expressá-las sob a perspectiva que ronda as melhores obras de arte: a de um riso irônico sobre uma existência que pode não ter sentido algum.

0scar D′Ambrosio é jornalista e professor da Universidade Paulista.

Caderno de Sábado, JORNAL DA TARDE, São Paulo, 13 de agosto de 1994

Por Oscar D′Ambrosio

Enquanto alguns críticos e autores afirmam que o romance está morto ou agonizante e que todas as histórias já foram escritas, há os que resistem ao pessimismo e ao universo de infinitas citações que caracteriza o inefável, indefinível e intangível pós-modernismo.

João Almino, cônsul-geral do Brasil em San Francisco (EUA), é uma prova de que ainda há esperanças para a arte romanesca. Em seu primeiro romance, Idéias para onde passar o rim do mundo, demonstrava, já no título, ironia e senso de humor perante as insistentes previsões apocalípticas de todo final de século.

O COMPUTADOR E A MORTA

Em Samba-enredo, João Almino vai além. O romance parte da interação inusitada entre duas personagens, no mínimo, bizarras: Gigi e Sílvia. A primeira é um computador que luta para expressar emoções que lhe custa captar. A segunda é uma morta empenhada em escrever um samba-enredo para homenagear o pai.

“Roqueira carnavalesca e fanática por desfiles de escolas de samba”, Sílvia procura juntar suas emoções, recalques, medos e inseguranças à frieza da máquina. No entanto, uma morta não pensa mais como um ser vivo e o computador Gigi não se mostra tão racional e exato como se poderia esperar.

Deste universo de contradições e improbabilidades, nasce uma prosa fragmentada, conduzida por Gigi, o computador-narrador disposto a vasculhar seus próprios pensamentos e a mente de Sílvia em busca de informações para o samba-enredo.

O livro ganha dimensão alegórica por diversos fatores. Um deles é que Paulo Antonio Fernandes, o pai de Sílvia, não é um cidadão comum, mas o presidente do Brasil. Além disso, é negro, fato que desperta simpatia popular e reações contrárias dos militares.

João Almino trabalha sempre com a relativização de tudo e de todos. O computador se diz assexuado, mas adota um nome feminino e acaba por se apaixonar por Sílvia. As fronteiras entre os sexos se diluem em torno das dificuldades, tão humanas, de expressar sentimentos sem temer preconceitos, derrubando bloqueios próprios e alheios.

Outro exemplo dessa busca permanente de não estabelecer verdades absolutas é a personagem Ana Kaufman. A ex-marxista estruturalista realiza sorteios, com pedacinhos de papel, dentro de uma catedral, em pleno carnaval, para decidir se investe em sua relação como amante do presidente, seqüestrado por engano em uma atrapalhada ação criminosa.

A atmosfera do carnaval permeia todo o livro, um ambiente em todo impossível se torna possível graças ao poder de João Almino de instaurar um realismo carnavalesco, correspondente nacional ao realismo mágico de Cortázar, Borges e Garcia Márquez.

ALEGORIA DO BRASIL

O universo do carnaval é muito apropriado para abrigar personagens que se confundem pela falta de habilidade em manusear as diversas máscaras sociais. Seqüestradores fracassados, poetas populares de rimas pobres e falsas videntes formam uma alegoria do Brasil.

Mais do que uma visão pessimista ou otimista, o romance, criado a partir do improvável diálogo entre um computador e uma morta, questiona o poder da palavra de representar a realidade e faz um necessário alerta contra os riscos de considerar a humanidade em extinção.

João Almino, com seu Samba-enredo, atesta que o romance pode não morrer. Sua sobrevivência depende de autores talentosos, aptos a imaginar histórias ainda não contadas e a expressá-las sob a perspectiva que ronda as melhores obras de arte: a de um riso irônico sobre uma existência que pode não ter sentido algum.

0scar D′Ambrosio é jornalista e professor da Universidade Paulista.

Caderno de Sábado, JORNAL DA TARDE, São Paulo, 13 de agosto de 1994

Por Oscar D′Ambrosio

Enquanto alguns críticos e autores afirmam que o romance está morto ou agonizante e que todas as histórias já foram escritas, há os que resistem ao pessimismo e ao universo de infinitas citações que caracteriza o inefável, indefinível e intangível pós-modernismo.

João Almino, cônsul-geral do Brasil em San Francisco (EUA), é uma prova de que ainda há esperanças para a arte romanesca. Em seu primeiro romance, Idéias para onde passar o rim do mundo, demonstrava, já no título, ironia e senso de humor perante as insistentes previsões apocalípticas de todo final de século.

O COMPUTADOR E A MORTA

Em Samba-enredo, João Almino vai além. O romance parte da interação inusitada entre duas personagens, no mínimo, bizarras: Gigi e Sílvia. A primeira é um computador que luta para expressar emoções que lhe custa captar. A segunda é uma morta empenhada em escrever um samba-enredo para homenagear o pai.

“Roqueira carnavalesca e fanática por desfiles de escolas de samba”, Sílvia procura juntar suas emoções, recalques, medos e inseguranças à frieza da máquina. No entanto, uma morta não pensa mais como um ser vivo e o computador Gigi não se mostra tão racional e exato como se poderia esperar.

Deste universo de contradições e improbabilidades, nasce uma prosa fragmentada, conduzida por Gigi, o computador-narrador disposto a vasculhar seus próprios pensamentos e a mente de Sílvia em busca de informações para o samba-enredo.

O livro ganha dimensão alegórica por diversos fatores. Um deles é que Paulo Antonio Fernandes, o pai de Sílvia, não é um cidadão comum, mas o presidente do Brasil. Além disso, é negro, fato que desperta simpatia popular e reações contrárias dos militares.

João Almino trabalha sempre com a relativização de tudo e de todos. O computador se diz assexuado, mas adota um nome feminino e acaba por se apaixonar por Sílvia. As fronteiras entre os sexos se diluem em torno das dificuldades, tão humanas, de expressar sentimentos sem temer preconceitos, derrubando bloqueios próprios e alheios.

Outro exemplo dessa busca permanente de não estabelecer verdades absolutas é a personagem Ana Kaufman. A ex-marxista estruturalista realiza sorteios, com pedacinhos de papel, dentro de uma catedral, em pleno carnaval, para decidir se investe em sua relação como amante do presidente, seqüestrado por engano em uma atrapalhada ação criminosa.

A atmosfera do carnaval permeia todo o livro, um ambiente em todo impossível se torna possível graças ao poder de João Almino de instaurar um realismo carnavalesco, correspondente nacional ao realismo mágico de Cortázar, Borges e Garcia Márquez.

ALEGORIA DO BRASIL

O universo do carnaval é muito apropriado para abrigar personagens que se confundem pela falta de habilidade em manusear as diversas máscaras sociais. Seqüestradores fracassados, poetas populares de rimas pobres e falsas videntes formam uma alegoria do Brasil.

Mais do que uma visão pessimista ou otimista, o romance, criado a partir do improvável diálogo entre um computador e uma morta, questiona o poder da palavra de representar a realidade e faz um necessário alerta contra os riscos de considerar a humanidade em extinção.

João Almino, com seu Samba-enredo, atesta que o romance pode não morrer. Sua sobrevivência depende de autores talentosos, aptos a imaginar histórias ainda não contadas e a expressá-las sob a perspectiva que ronda as melhores obras de arte: a de um riso irônico sobre uma existência que pode não ter sentido algum.

0scar D′Ambrosio é jornalista e professor da Universidade Paulista.

Caderno de Sábado, JORNAL DA TARDE, São Paulo, 13 de agosto de 1994

Por Oscar D′Ambrosio

Enquanto alguns críticos e autores afirmam que o romance está morto ou agonizante e que todas as histórias já foram escritas, há os que resistem ao pessimismo e ao universo de infinitas citações que caracteriza o inefável, indefinível e intangível pós-modernismo.

João Almino, cônsul-geral do Brasil em San Francisco (EUA), é uma prova de que ainda há esperanças para a arte romanesca. Em seu primeiro romance, Idéias para onde passar o rim do mundo, demonstrava, já no título, ironia e senso de humor perante as insistentes previsões apocalípticas de todo final de século.

O COMPUTADOR E A MORTA

Em Samba-enredo, João Almino vai além. O romance parte da interação inusitada entre duas personagens, no mínimo, bizarras: Gigi e Sílvia. A primeira é um computador que luta para expressar emoções que lhe custa captar. A segunda é uma morta empenhada em escrever um samba-enredo para homenagear o pai.

“Roqueira carnavalesca e fanática por desfiles de escolas de samba”, Sílvia procura juntar suas emoções, recalques, medos e inseguranças à frieza da máquina. No entanto, uma morta não pensa mais como um ser vivo e o computador Gigi não se mostra tão racional e exato como se poderia esperar.

Deste universo de contradições e improbabilidades, nasce uma prosa fragmentada, conduzida por Gigi, o computador-narrador disposto a vasculhar seus próprios pensamentos e a mente de Sílvia em busca de informações para o samba-enredo.

O livro ganha dimensão alegórica por diversos fatores. Um deles é que Paulo Antonio Fernandes, o pai de Sílvia, não é um cidadão comum, mas o presidente do Brasil. Além disso, é negro, fato que desperta simpatia popular e reações contrárias dos militares.

João Almino trabalha sempre com a relativização de tudo e de todos. O computador se diz assexuado, mas adota um nome feminino e acaba por se apaixonar por Sílvia. As fronteiras entre os sexos se diluem em torno das dificuldades, tão humanas, de expressar sentimentos sem temer preconceitos, derrubando bloqueios próprios e alheios.

Outro exemplo dessa busca permanente de não estabelecer verdades absolutas é a personagem Ana Kaufman. A ex-marxista estruturalista realiza sorteios, com pedacinhos de papel, dentro de uma catedral, em pleno carnaval, para decidir se investe em sua relação como amante do presidente, seqüestrado por engano em uma atrapalhada ação criminosa.

A atmosfera do carnaval permeia todo o livro, um ambiente em todo impossível se torna possível graças ao poder de João Almino de instaurar um realismo carnavalesco, correspondente nacional ao realismo mágico de Cortázar, Borges e Garcia Márquez.

ALEGORIA DO BRASIL

O universo do carnaval é muito apropriado para abrigar personagens que se confundem pela falta de habilidade em manusear as diversas máscaras sociais. Seqüestradores fracassados, poetas populares de rimas pobres e falsas videntes formam uma alegoria do Brasil.

Mais do que uma visão pessimista ou otimista, o romance, criado a partir do improvável diálogo entre um computador e uma morta, questiona o poder da palavra de representar a realidade e faz um necessário alerta contra os riscos de considerar a humanidade em extinção.

João Almino, com seu Samba-enredo, atesta que o romance pode não morrer. Sua sobrevivência depende de autores talentosos, aptos a imaginar histórias ainda não contadas e a expressá-las sob a perspectiva que ronda as melhores obras de arte: a de um riso irônico sobre uma existência que pode não ter sentido algum.

0scar D′Ambrosio é jornalista e professor da Universidade Paulista.