Romance e História – sobre Cidade Livre, de João Almino

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José Sebastião Witter 2010

ROMANCE E HISTÓRIA

Brazilian Cultural Studies
v. 1, n. 2, p. 258-260, Maio/Agosto 2010

Romance e História
José Sebastião Witter
USP
ALMINO, J. Cidade Livre. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Record, 238 p. 2010

Como os candangos de Brasília, eu, também, me considerava um
“construtor de catedrais”. Juscelino Kubitschek (p. 9)

Cidade Livre é um lindo e bem construído romance. Foi pensado e escrito por um dos mais
auspiciosos e considerados autores brasileiros. João Almino não precisa de apresentação, já é
consagrado.

Se traço um pequeno perfil do romancista, é porque escrevo para um veículo diferenciado.
Talvez todos que o lerem saibam os nomes de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, porém
dificilmente lidem com romancistas e muito menos com um romancista e ficcionista como João
Almino, que também é diplomata. O autor escreveu vários romances. Destaco somente dois: As cinco
estações do amor (Prêmio Casa de las Americas, em 2003; publicado no México, na Argentina e nos
EUA) e o Livro das Emoções (indicado para o 7º Prêmio Portugal Telecon de Literatura em 2009 e
para o 6º Prêmio Passo Fundo Zaffar e Bourdon de Literatura em 2009).

João Almino faz de Brasília tema central de sua ficção. Mas também é reconhecido por seus
escritos sobre História e Filosofia Política. Também é autor de ensaios literários. Doutorou-se em
Paris e ensinou na UNAM (México), UnB, Instituto Rio Branco, Berkeley e Stanford.

Tentar fazer comentários sobre romance é um desafio. Resolvi escolher Cidade Livre por
admirar João Almino e também porque ele fez uma narrativa quase perfeita em sua forma e conteúdo.
Também porque este livro, apesar de excelente ficção, como os leitores poderão constatar, é um livro
de História. E é resultado de uma pesquisa cuidadosa em bibliotecas e arquivos. Não faltaram as
entrevistas e o recurso da própria elaboração de seus tempos vividos na Cidade Livre, que era também
conhecida como Núcleo Bandeirantes.

Vale, para estimular o leitor, reproduzir alguns trechos do autor. Nesse primeiro momento,
trago a primeira frase do romance da obra de ficção
Brasília é um romance digno de ser contado”, a frase que retirei de um dos vários cadernos
enterrado por Moacyr Ribeiro, meu pai, dentro de uma caixa no dia seguinte à inauguração da
cidade… (p. 19)

É um documento (ou documentos) de valor histórico indiscutível.

Em seguida, o autor afirma:
Eu tinha de obter o depoimento de papai antes que ele morresse, uma forma também de me
reconciliar com ele no momento delicado que ele atravessava e de reparar o erro de ter-me
afastado dele por tanto tempo. (p. 19/20)

De toda complexidade de sua própria história e de viver a Cidade Livre, o autor descreve sua
infância, em que viu crescer a grande capital do país, que é Brasília. Aqueles que acompanharem o
viver dos personagens nas sete noites em que o romance acontece poderão sentir toda a beleza da
ficção criada por João Almino, que ao mesmo tempo convence o leitor pela firmeza dos dados da
pesquisa histórica.

É um romance que sem dúvida encanta o leitor, mas faz muito mais, como diz Walnice
Nogueira Galvão na orelha do livro:

Aos poucos vai surgindo, qual flor carnívora, a enfeitiçar o incauto com fragrâncias e
cambiantes, o imaginário do pseudocronista da capital. Quando o leitor cai em si foi tragado:
Brasília erigiu-se em microcosmo e metáfora do país, do Universo, da existência ou desse
torvelino vertiginoso que é a subjetividade.

João Almino, com a Cidade Livre, nos remete à fundação de Brasília e ao seu complexo
florescer. Os personagens nem sempre ficam, pois nos ajudam a gostar mais do autor e do próprio
objeto que serve como sua inspiração. É muito bom este novo escrito de intelectual e ficcionista de
alto nível. Confiram!

É um romance que se enquadra entre as obras literárias que podem servir educacionalmente
para outros professores que não o de língua e literatura. Bem trabalhada, será útil tanto a professores
de História, quanto de Sociologia, Psicologia, sem falar que, com criatividade, o docente de várias
áreas pode encontrar aqui exemplos para motivar seus alunos em temas os mais diversos.

Sobre o Autor: Professor Emérito e Titular da USP (aposentado), Doutor e Livre Docente em História do Brasil
pela USP. Ex-Diretor do Museu Histórico da USP (Ipiranga), Ex-Diretor do Instituto de Estudos Brasileiros, ExDiretor
do Arquivo Histórico do Estado de São Paulo Comendador do Estado de São Paulo e cidadão Emérito
de Itú e de Mogi das Cruzes.

e-mail: witterprof@gmail.com