Por que sou escritor de ficção

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Por que sou escritor de ficção

João Almino

Começo arrolando uma série de razões que poderiam explicar meu ato de escrever ficção e que, no entanto, me parecem insuficientes ou mesmo, em alguns casos, falsas.

Meus primeiros livros tiveram um claro sentido político, mas não eram de ficção. A ficção já é em si um libelo em favor da liberdade e uma expressão de inconformidade com uma realidade insuportável. Tomada nesse sentido amplo, tem sempre uma dimensão política. No entanto, nunca escrevi ficção para transmitir linhas políticas ou ideológicas ou para discutir questões sociais, raciais ou de gênero, embora essas questões estejam claramente presentes em minha literatura. É pouco pedir de uma obra de arte que denuncie as injustiças, a desigualdade e a miséria. Ela pode e deve fazê-lo quando as circunstâncias exijam, mas deve ir além dessa denúncia, caso contrário fará pouco mais do que um artigo de jornal. Meu primeiro romance foi publicado em 1987, dois anos depois do fim da ditadura militar. Para o propósito de denunciar o regime, eu havia escrito sobre o autoritarismo e a democracia em livros de ensaios e de filosofia política, entre eles “Os democratas autoritários”, “A idade do presente” e “O segredo e a informação”. Não usei a ficção para esse propósito. Com o processo de democratização, minha não-ficção perdeu parte de seu sentido de urgência, e minha ficção teria de explorar um território novo, embora alguns de meus personagens não deixassem de exprimir o medo desses anos de ditadura.

Não seria suficiente tampouco dizer que escrevo para representar ou retratar a realidade, pois o realismo não basta. Escrever ficção é rebelar-se contra a realidade e ir além dela. Não escrevo, além disso, para falar de mim – minha literatura tem pouco de autobiográfico. Não seria convincente dizer que é porque não tenho alternativa, não saberia fazer outra coisa, afinal sou diplomata e até me dediquei muito à carreira.

Tampouco seria suficiente dizer que sou escritor para entender o meu meio, o meu país, a sociedade em que vivo, para entender o Nordeste onde nasci, Brasília onde vivi, para compreender as contradições, os desafios e adversidades do mundo contemporâneo, embora seja inevitável que minha literatura esteja impregnada do que sou, como brasileiro vivendo no século XXI.

Se eu dissesse que com minha ficção busco a verdade e quero transmiti-la ao leitor — Alethea, em grego “verdade, memória”, é a negação de Lethe (noite, escuridão, esquecimento) — teria de acrescentar que a verdade com a qual o escritor trabalha, a que ele traz à luz dos fundos da escuridão, a que estava relegada ao esquecimento e ele recupera pela memória, é a verdade da própria da ficção. Não é à verdade ou à realidade que a literatura deve almejar, mas sim à superação, pela fantasia, das formas mais diretas de aquisição e transmissão de conhecimento. Sou ficcionista e, portanto, minto. Há elementos de história em meus romances, mas o mito me atrai mais do que a história e em meus romances criei meu próprio mundo ficcional.

Não sou ficcionista por acreditar que a literatura constroi necessariamente um mundo melhor, tem o poder de transformar a realidade ou serve para transmitir ideais e conhecimento, emitir opiniões, defender uma posição ou procurar dar sentido ao mundo. Por outro lado não escrevo apenas para entreter, para divertir, de forma despretensiosa, pois creio que a literatura tem que ter ambição, menos para edificar ou instruir o leitor, do que para inquietá-lo, causar-lhe surpresa e fazê-lo caminhar pelo inesperado.

Um último ponto: não escrevo para tratar de determinados temas, embora sejam evidentes os temas que me interessam em meus livros de ficção e até de forma obsessiva. Uma lista não exaustiva poderia incluir os processos de desmodernização, o desenraizamento, a hibridização, a fundação, o novo, o tempo, o vazio, a memória, a pós-utopia, o livre arbítrio e os novos meios de comunicação e de socialização. Mas não são esses temas que fazem de minha escrita uma escrita literária, um romance.

Antes de responder mais diretamente à pergunta de por que sou escritor, relato algo mais básico: como me tornei escritor.

Quando tinha seis para sete anos, minha irmã mais velha era professora primária numa escola pública e me ensinou as primeiras letras. Aprendi a ler em casa. Ela pregava figurinhas numa folha de papel e eu tinha de escrever as frases que me viessem à mente. Creio que aí foi plantada a semente para o gosto que tomei pela escrita, gosto que me acompanhou na escola, onde nada me dava mais prazer do que fazer redações.

Mais tarde o grande incentivo veio de meu pai, que faleceu quando eu tinha doze anos. Ele foi um autodidata, não frequentou escola, mas era um leitor ávido. Sua biblioteca não era grande. Cabia numa estante de portas de vidro com oito prateleiras ocupadas com livros de história, entre os quais vários da coleção brasiliana, e mais uma com livros de literatura, entre os quais alguns clássicos do romance regionalista nordestino. Quando aos nove anos de idade eu escrevia algumas páginas num caderno de escola, ele chamava aquilo de livro e me cercava de elogios. Era um incentivo e tanto.

Na adolescência escrevi poemas, nenhum aproveitável. Depois iniciei projetos de romance que não consegui levar adiante. Como parênteses na tentativa de escrever ficção, vieram as obrigações acadêmicas e as exigências do momento político brasileiro, que me levaram a publicar quatro livros.

No meu caso a ficção não veio para substituir o ensaio, nem para discutir os temas daqueles ensaios através de uma nova forma. A ficção correspondia a outro território, explorado desde antes e no qual me adentrei plenamente quando as outras formas de linguagem já não eram suficientes para exprimir o que eu queria. Mas “o que eu queria” talvez seja uma força de expressão.

Escrevia e ainda escrevo porque algo me inquietava e ainda me inquieta. Se já soubesse de antemão o que dizer, voltaria ao ensaio; se tivesse algo a demonstrar, a uma tese, que também cheguei a defender; se quisesse dar uma opinião, um artigo de jornal, o que aliás fiz com frequencia em momentos pontuais. Na ficção é possível dizer o indizível, deixar aflorar as contradições, expor as emoções e indagar, explorar.

Escrevo ficção menos para dizer o que sei do que para descobrir o que quero dizer, para indagar de mim, dos outros, da história que conto e daquela com H maiúsculo que nos envolve a todos; para procurar entender, para aprender, para aventurar-me, como um navegante, por mares ou mundos desconhecidos ou como um caminhante perdido no meio da floresta; para adentrar-me nas profundezas da alma, noutras vidas, fazendo brotar a criação literária da incerteza e da busca.

Escrevo também como um colecionador, para juntar o que encontro no meio do caminho. São fragmentos de leituras, histórias que me interessam, questões que me incomodam, notícias, experiências e emoções vividas não apenas por mim, mas também por outros.

Escrevo porque não posso escapar à escrita; ou seja, por uma necessidade íntima, indefinível; porque outras atividades não me dão ou não me dariam o mesmo prazer e o mesmo sofrimento e não são, portanto, igualmente necessárias para mim. Não vivo da escrita, mas escrevo para viver, pois não saberia viver sem ela. Sou escritor de ficção como uma forma de resistência, para rebelar-me contra a realidade e a morte, por não suportá-las e querer confrontá-las com vidas e mundos imaginários.

Não é do humor que depende minha ficção. Escrevo quando estou alegre e mais ainda quando estou triste. Para mim não aparecem musas, eu é que vou à busca delas e as invento com grande esforço quando quero.

Sou ficcionista porque o outro me atrai e para entendê-lo – o outro de mim mesmo e também aquele que me é completamente estranho. Num primeiro sentido, escrevo para seduzir o outro, em busca de leitores, mas não me satisfaria uma sedução fácil, entregando a mercadoria esperada. Noutro sentido, mais fundamental, escrevo para criar e viver personagens.

Ainda que não houvesse história alguma, que não houvesse enredo, meu objetivo seria que o texto se sustentasse pela escolha mesma das palavras, umas se juntando a outras de forma inesperada, desviando-se do estereótipo e do pitoresco, dos lugares comuns, das frases que se apresentam já feitas, criando novas formas de expressão e espaços amplos para a imaginação, exprimindo muitas vezes não apenas o que foi visto ou dito, mas também o que está escondido ou foi silenciado; não só o que aconteceu, mas o que não pôde acontecer; não apenas o que é conclusivo, mas igualmente o que é incompleto, fragmentário e oblíquo; não o que traz respostas, mas o que propõe perguntas.

A maior parte do tempo escrevo tateando palavras, para vencer uma dificuldade, a dificuldade mesma de escrever. Escrevo, então, para encontrar essas palavras e verificar o resultado de colocá-las umas ao lado das outras, por vezes juntando o que parecia não poder ser juntado, modificando ou embaralhando perspectivas. Mas gosto também depois de aplainar as arestas da linguagem, de dar coerência ao que não tinha, de encontrar sentido para o que antes parecia desconexo, de mostrar o itinerário para deixar no papel os traços de um percurso e de uma busca; de chegar a um nível de compreensão, enfim, a histórias.

Sou escritor, então, fundamentalmente porque me interesso pela linguagem, pela própria escrita, pelas palavras, pelas sílabas, pelos sons e pelo ritmo. Escrevo também porque ainda me faltam palavras, preciso contradizer o que disse ou não acabei de dizer tudo. Por fim, escrevo porque falar não é suficiente ou preciso encontrar uma expressão para meu silêncio.

REVISTA BRASILEIRA, Academia Brasileira de Letras, junho de 2012

Por que sou escritor de ficção

João Almino

Começo arrolando uma série de razões que poderiam explicar meu ato de escrever ficção e que, no entanto, me parecem insuficientes ou mesmo, em alguns casos, falsas.

Meus primeiros livros tiveram um claro sentido político, mas não eram de ficção. A ficção já é em si um libelo em favor da liberdade e uma expressão de inconformidade com uma realidade insuportável. Tomada nesse sentido amplo, tem sempre uma dimensão política. No entanto, nunca escrevi ficção para transmitir linhas políticas ou ideológicas ou para discutir questões sociais, raciais ou de gênero, embora essas questões estejam claramente presentes em minha literatura. É pouco pedir de uma obra de arte que denuncie as injustiças, a desigualdade e a miséria. Ela pode e deve fazê-lo quando as circunstâncias exijam, mas deve ir além dessa denúncia, caso contrário fará pouco mais do que um artigo de jornal. Meu primeiro romance foi publicado em 1987, dois anos depois do fim da ditadura militar. Para o propósito de denunciar o regime, eu havia escrito sobre o autoritarismo e a democracia em livros de ensaios e de filosofia política, entre eles “Os democratas autoritários”, “A idade do presente” e “O segredo e a informação”. Não usei a ficção para esse propósito. Com o processo de democratização, minha não-ficção perdeu parte de seu sentido de urgência, e minha ficção teria de explorar um território novo, embora alguns de meus personagens não deixassem de exprimir o medo desses anos de ditadura.

Não seria suficiente tampouco dizer que escrevo para representar ou retratar a realidade, pois o realismo não basta. Escrever ficção é rebelar-se contra a realidade e ir além dela. Não escrevo, além disso, para falar de mim – minha literatura tem pouco de autobiográfico. Não seria convincente dizer que é porque não tenho alternativa, não saberia fazer outra coisa, afinal sou diplomata e até me dediquei muito à carreira.

Tampouco seria suficiente dizer que sou escritor para entender o meu meio, o meu país, a sociedade em que vivo, para entender o Nordeste onde nasci, Brasília onde vivi, para compreender as contradições, os desafios e adversidades do mundo contemporâneo, embora seja inevitável que minha literatura esteja impregnada do que sou, como brasileiro vivendo no século XXI.

Se eu dissesse que com minha ficção busco a verdade e quero transmiti-la ao leitor — Alethea, em grego “verdade, memória”, é a negação de Lethe (noite, escuridão, esquecimento) — teria de acrescentar que a verdade com a qual o escritor trabalha, a que ele traz à luz dos fundos da escuridão, a que estava relegada ao esquecimento e ele recupera pela memória, é a verdade da própria da ficção. Não é à verdade ou à realidade que a literatura deve almejar, mas sim à superação, pela fantasia, das formas mais diretas de aquisição e transmissão de conhecimento. Sou ficcionista e, portanto, minto. Há elementos de história em meus romances, mas o mito me atrai mais do que a história e em meus romances criei meu próprio mundo ficcional.

Não sou ficcionista por acreditar que a literatura constroi necessariamente um mundo melhor, tem o poder de transformar a realidade ou serve para transmitir ideais e conhecimento, emitir opiniões, defender uma posição ou procurar dar sentido ao mundo. Por outro lado não escrevo apenas para entreter, para divertir, de forma despretensiosa, pois creio que a literatura tem que ter ambição, menos para edificar ou instruir o leitor, do que para inquietá-lo, causar-lhe surpresa e fazê-lo caminhar pelo inesperado.

Um último ponto: não escrevo para tratar de determinados temas, embora sejam evidentes os temas que me interessam em meus livros de ficção e até de forma obsessiva. Uma lista não exaustiva poderia incluir os processos de desmodernização, o desenraizamento, a hibridização, a fundação, o novo, o tempo, o vazio, a memória, a pós-utopia, o livre arbítrio e os novos meios de comunicação e de socialização. Mas não são esses temas que fazem de minha escrita uma escrita literária, um romance.

Antes de responder mais diretamente à pergunta de por que sou escritor, relato algo mais básico: como me tornei escritor.

Quando tinha seis para sete anos, minha irmã mais velha era professora primária numa escola pública e me ensinou as primeiras letras. Aprendi a ler em casa. Ela pregava figurinhas numa folha de papel e eu tinha de escrever as frases que me viessem à mente. Creio que aí foi plantada a semente para o gosto que tomei pela escrita, gosto que me acompanhou na escola, onde nada me dava mais prazer do que fazer redações.

Mais tarde o grande incentivo veio de meu pai, que faleceu quando eu tinha doze anos. Ele foi um autodidata, não frequentou escola, mas era um leitor ávido. Sua biblioteca não era grande. Cabia numa estante de portas de vidro com oito prateleiras ocupadas com livros de história, entre os quais vários da coleção brasiliana, e mais uma com livros de literatura, entre os quais alguns clássicos do romance regionalista nordestino. Quando aos nove anos de idade eu escrevia algumas páginas num caderno de escola, ele chamava aquilo de livro e me cercava de elogios. Era um incentivo e tanto.

Na adolescência escrevi poemas, nenhum aproveitável. Depois iniciei projetos de romance que não consegui levar adiante. Como parênteses na tentativa de escrever ficção, vieram as obrigações acadêmicas e as exigências do momento político brasileiro, que me levaram a publicar quatro livros.

No meu caso a ficção não veio para substituir o ensaio, nem para discutir os temas daqueles ensaios através de uma nova forma. A ficção correspondia a outro território, explorado desde antes e no qual me adentrei plenamente quando as outras formas de linguagem já não eram suficientes para exprimir o que eu queria. Mas “o que eu queria” talvez seja uma força de expressão.

Escrevia e ainda escrevo porque algo me inquietava e ainda me inquieta. Se já soubesse de antemão o que dizer, voltaria ao ensaio; se tivesse algo a demonstrar, a uma tese, que também cheguei a defender; se quisesse dar uma opinião, um artigo de jornal, o que aliás fiz com frequencia em momentos pontuais. Na ficção é possível dizer o indizível, deixar aflorar as contradições, expor as emoções e indagar, explorar.

Escrevo ficção menos para dizer o que sei do que para descobrir o que quero dizer, para indagar de mim, dos outros, da história que conto e daquela com H maiúsculo que nos envolve a todos; para procurar entender, para aprender, para aventurar-me, como um navegante, por mares ou mundos desconhecidos ou como um caminhante perdido no meio da floresta; para adentrar-me nas profundezas da alma, noutras vidas, fazendo brotar a criação literária da incerteza e da busca.

Escrevo também como um colecionador, para juntar o que encontro no meio do caminho. São fragmentos de leituras, histórias que me interessam, questões que me incomodam, notícias, experiências e emoções vividas não apenas por mim, mas também por outros.

Escrevo porque não posso escapar à escrita; ou seja, por uma necessidade íntima, indefinível; porque outras atividades não me dão ou não me dariam o mesmo prazer e o mesmo sofrimento e não são, portanto, igualmente necessárias para mim. Não vivo da escrita, mas escrevo para viver, pois não saberia viver sem ela. Sou escritor de ficção como uma forma de resistência, para rebelar-me contra a realidade e a morte, por não suportá-las e querer confrontá-las com vidas e mundos imaginários.

Não é do humor que depende minha ficção. Escrevo quando estou alegre e mais ainda quando estou triste. Para mim não aparecem musas, eu é que vou à busca delas e as invento com grande esforço quando quero.

Sou ficcionista porque o outro me atrai e para entendê-lo – o outro de mim mesmo e também aquele que me é completamente estranho. Num primeiro sentido, escrevo para seduzir o outro, em busca de leitores, mas não me satisfaria uma sedução fácil, entregando a mercadoria esperada. Noutro sentido, mais fundamental, escrevo para criar e viver personagens.

Ainda que não houvesse história alguma, que não houvesse enredo, meu objetivo seria que o texto se sustentasse pela escolha mesma das palavras, umas se juntando a outras de forma inesperada, desviando-se do estereótipo e do pitoresco, dos lugares comuns, das frases que se apresentam já feitas, criando novas formas de expressão e espaços amplos para a imaginação, exprimindo muitas vezes não apenas o que foi visto ou dito, mas também o que está escondido ou foi silenciado; não só o que aconteceu, mas o que não pôde acontecer; não apenas o que é conclusivo, mas igualmente o que é incompleto, fragmentário e oblíquo; não o que traz respostas, mas o que propõe perguntas.

A maior parte do tempo escrevo tateando palavras, para vencer uma dificuldade, a dificuldade mesma de escrever. Escrevo, então, para encontrar essas palavras e verificar o resultado de colocá-las umas ao lado das outras, por vezes juntando o que parecia não poder ser juntado, modificando ou embaralhando perspectivas. Mas gosto também depois de aplainar as arestas da linguagem, de dar coerência ao que não tinha, de encontrar sentido para o que antes parecia desconexo, de mostrar o itinerário para deixar no papel os traços de um percurso e de uma busca; de chegar a um nível de compreensão, enfim, a histórias.

Sou escritor, então, fundamentalmente porque me interesso pela linguagem, pela própria escrita, pelas palavras, pelas sílabas, pelos sons e pelo ritmo. Escrevo também porque ainda me faltam palavras, preciso contradizer o que disse ou não acabei de dizer tudo. Por fim, escrevo porque falar não é suficiente ou preciso encontrar uma expressão para meu silêncio.

REVISTA BRASILEIRA, Academia Brasileira de Letras, junho de 2012

Por que sou escritor de ficção

João Almino

Começo arrolando uma série de razões que poderiam explicar meu ato de escrever ficção e que, no entanto, me parecem insuficientes ou mesmo, em alguns casos, falsas.

Meus primeiros livros tiveram um claro sentido político, mas não eram de ficção. A ficção já é em si um libelo em favor da liberdade e uma expressão de inconformidade com uma realidade insuportável. Tomada nesse sentido amplo, tem sempre uma dimensão política. No entanto, nunca escrevi ficção para transmitir linhas políticas ou ideológicas ou para discutir questões sociais, raciais ou de gênero, embora essas questões estejam claramente presentes em minha literatura. É pouco pedir de uma obra de arte que denuncie as injustiças, a desigualdade e a miséria. Ela pode e deve fazê-lo quando as circunstâncias exijam, mas deve ir além dessa denúncia, caso contrário fará pouco mais do que um artigo de jornal. Meu primeiro romance foi publicado em 1987, dois anos depois do fim da ditadura militar. Para o propósito de denunciar o regime, eu havia escrito sobre o autoritarismo e a democracia em livros de ensaios e de filosofia política, entre eles “Os democratas autoritários”, “A idade do presente” e “O segredo e a informação”. Não usei a ficção para esse propósito. Com o processo de democratização, minha não-ficção perdeu parte de seu sentido de urgência, e minha ficção teria de explorar um território novo, embora alguns de meus personagens não deixassem de exprimir o medo desses anos de ditadura.

Não seria suficiente tampouco dizer que escrevo para representar ou retratar a realidade, pois o realismo não basta. Escrever ficção é rebelar-se contra a realidade e ir além dela. Não escrevo, além disso, para falar de mim – minha literatura tem pouco de autobiográfico. Não seria convincente dizer que é porque não tenho alternativa, não saberia fazer outra coisa, afinal sou diplomata e até me dediquei muito à carreira.

Tampouco seria suficiente dizer que sou escritor para entender o meu meio, o meu país, a sociedade em que vivo, para entender o Nordeste onde nasci, Brasília onde vivi, para compreender as contradições, os desafios e adversidades do mundo contemporâneo, embora seja inevitável que minha literatura esteja impregnada do que sou, como brasileiro vivendo no século XXI.

Se eu dissesse que com minha ficção busco a verdade e quero transmiti-la ao leitor — Alethea, em grego “verdade, memória”, é a negação de Lethe (noite, escuridão, esquecimento) — teria de acrescentar que a verdade com a qual o escritor trabalha, a que ele traz à luz dos fundos da escuridão, a que estava relegada ao esquecimento e ele recupera pela memória, é a verdade da própria da ficção. Não é à verdade ou à realidade que a literatura deve almejar, mas sim à superação, pela fantasia, das formas mais diretas de aquisição e transmissão de conhecimento. Sou ficcionista e, portanto, minto. Há elementos de história em meus romances, mas o mito me atrai mais do que a história e em meus romances criei meu próprio mundo ficcional.

Não sou ficcionista por acreditar que a literatura constroi necessariamente um mundo melhor, tem o poder de transformar a realidade ou serve para transmitir ideais e conhecimento, emitir opiniões, defender uma posição ou procurar dar sentido ao mundo. Por outro lado não escrevo apenas para entreter, para divertir, de forma despretensiosa, pois creio que a literatura tem que ter ambição, menos para edificar ou instruir o leitor, do que para inquietá-lo, causar-lhe surpresa e fazê-lo caminhar pelo inesperado.

Um último ponto: não escrevo para tratar de determinados temas, embora sejam evidentes os temas que me interessam em meus livros de ficção e até de forma obsessiva. Uma lista não exaustiva poderia incluir os processos de desmodernização, o desenraizamento, a hibridização, a fundação, o novo, o tempo, o vazio, a memória, a pós-utopia, o livre arbítrio e os novos meios de comunicação e de socialização. Mas não são esses temas que fazem de minha escrita uma escrita literária, um romance.

Antes de responder mais diretamente à pergunta de por que sou escritor, relato algo mais básico: como me tornei escritor.

Quando tinha seis para sete anos, minha irmã mais velha era professora primária numa escola pública e me ensinou as primeiras letras. Aprendi a ler em casa. Ela pregava figurinhas numa folha de papel e eu tinha de escrever as frases que me viessem à mente. Creio que aí foi plantada a semente para o gosto que tomei pela escrita, gosto que me acompanhou na escola, onde nada me dava mais prazer do que fazer redações.

Mais tarde o grande incentivo veio de meu pai, que faleceu quando eu tinha doze anos. Ele foi um autodidata, não frequentou escola, mas era um leitor ávido. Sua biblioteca não era grande. Cabia numa estante de portas de vidro com oito prateleiras ocupadas com livros de história, entre os quais vários da coleção brasiliana, e mais uma com livros de literatura, entre os quais alguns clássicos do romance regionalista nordestino. Quando aos nove anos de idade eu escrevia algumas páginas num caderno de escola, ele chamava aquilo de livro e me cercava de elogios. Era um incentivo e tanto.

Na adolescência escrevi poemas, nenhum aproveitável. Depois iniciei projetos de romance que não consegui levar adiante. Como parênteses na tentativa de escrever ficção, vieram as obrigações acadêmicas e as exigências do momento político brasileiro, que me levaram a publicar quatro livros.

No meu caso a ficção não veio para substituir o ensaio, nem para discutir os temas daqueles ensaios através de uma nova forma. A ficção correspondia a outro território, explorado desde antes e no qual me adentrei plenamente quando as outras formas de linguagem já não eram suficientes para exprimir o que eu queria. Mas “o que eu queria” talvez seja uma força de expressão.

Escrevia e ainda escrevo porque algo me inquietava e ainda me inquieta. Se já soubesse de antemão o que dizer, voltaria ao ensaio; se tivesse algo a demonstrar, a uma tese, que também cheguei a defender; se quisesse dar uma opinião, um artigo de jornal, o que aliás fiz com frequencia em momentos pontuais. Na ficção é possível dizer o indizível, deixar aflorar as contradições, expor as emoções e indagar, explorar.

Escrevo ficção menos para dizer o que sei do que para descobrir o que quero dizer, para indagar de mim, dos outros, da história que conto e daquela com H maiúsculo que nos envolve a todos; para procurar entender, para aprender, para aventurar-me, como um navegante, por mares ou mundos desconhecidos ou como um caminhante perdido no meio da floresta; para adentrar-me nas profundezas da alma, noutras vidas, fazendo brotar a criação literária da incerteza e da busca.

Escrevo também como um colecionador, para juntar o que encontro no meio do caminho. São fragmentos de leituras, histórias que me interessam, questões que me incomodam, notícias, experiências e emoções vividas não apenas por mim, mas também por outros.

Escrevo porque não posso escapar à escrita; ou seja, por uma necessidade íntima, indefinível; porque outras atividades não me dão ou não me dariam o mesmo prazer e o mesmo sofrimento e não são, portanto, igualmente necessárias para mim. Não vivo da escrita, mas escrevo para viver, pois não saberia viver sem ela. Sou escritor de ficção como uma forma de resistência, para rebelar-me contra a realidade e a morte, por não suportá-las e querer confrontá-las com vidas e mundos imaginários.

Não é do humor que depende minha ficção. Escrevo quando estou alegre e mais ainda quando estou triste. Para mim não aparecem musas, eu é que vou à busca delas e as invento com grande esforço quando quero.

Sou ficcionista porque o outro me atrai e para entendê-lo – o outro de mim mesmo e também aquele que me é completamente estranho. Num primeiro sentido, escrevo para seduzir o outro, em busca de leitores, mas não me satisfaria uma sedução fácil, entregando a mercadoria esperada. Noutro sentido, mais fundamental, escrevo para criar e viver personagens.

Ainda que não houvesse história alguma, que não houvesse enredo, meu objetivo seria que o texto se sustentasse pela escolha mesma das palavras, umas se juntando a outras de forma inesperada, desviando-se do estereótipo e do pitoresco, dos lugares comuns, das frases que se apresentam já feitas, criando novas formas de expressão e espaços amplos para a imaginação, exprimindo muitas vezes não apenas o que foi visto ou dito, mas também o que está escondido ou foi silenciado; não só o que aconteceu, mas o que não pôde acontecer; não apenas o que é conclusivo, mas igualmente o que é incompleto, fragmentário e oblíquo; não o que traz respostas, mas o que propõe perguntas.

A maior parte do tempo escrevo tateando palavras, para vencer uma dificuldade, a dificuldade mesma de escrever. Escrevo, então, para encontrar essas palavras e verificar o resultado de colocá-las umas ao lado das outras, por vezes juntando o que parecia não poder ser juntado, modificando ou embaralhando perspectivas. Mas gosto também depois de aplainar as arestas da linguagem, de dar coerência ao que não tinha, de encontrar sentido para o que antes parecia desconexo, de mostrar o itinerário para deixar no papel os traços de um percurso e de uma busca; de chegar a um nível de compreensão, enfim, a histórias.

Sou escritor, então, fundamentalmente porque me interesso pela linguagem, pela própria escrita, pelas palavras, pelas sílabas, pelos sons e pelo ritmo. Escrevo também porque ainda me faltam palavras, preciso contradizer o que disse ou não acabei de dizer tudo. Por fim, escrevo porque falar não é suficiente ou preciso encontrar uma expressão para meu silêncio.

REVISTA BRASILEIRA, Academia Brasileira de Letras, junho de 2012

Por que sou escritor de ficção

João Almino

Começo arrolando uma série de razões que poderiam explicar meu ato de escrever ficção e que, no entanto, me parecem insuficientes ou mesmo, em alguns casos, falsas.

Meus primeiros livros tiveram um claro sentido político, mas não eram de ficção. A ficção já é em si um libelo em favor da liberdade e uma expressão de inconformidade com uma realidade insuportável. Tomada nesse sentido amplo, tem sempre uma dimensão política. No entanto, nunca escrevi ficção para transmitir linhas políticas ou ideológicas ou para discutir questões sociais, raciais ou de gênero, embora essas questões estejam claramente presentes em minha literatura. É pouco pedir de uma obra de arte que denuncie as injustiças, a desigualdade e a miséria. Ela pode e deve fazê-lo quando as circunstâncias exijam, mas deve ir além dessa denúncia, caso contrário fará pouco mais do que um artigo de jornal. Meu primeiro romance foi publicado em 1987, dois anos depois do fim da ditadura militar. Para o propósito de denunciar o regime, eu havia escrito sobre o autoritarismo e a democracia em livros de ensaios e de filosofia política, entre eles “Os democratas autoritários”, “A idade do presente” e “O segredo e a informação”. Não usei a ficção para esse propósito. Com o processo de democratização, minha não-ficção perdeu parte de seu sentido de urgência, e minha ficção teria de explorar um território novo, embora alguns de meus personagens não deixassem de exprimir o medo desses anos de ditadura.

Não seria suficiente tampouco dizer que escrevo para representar ou retratar a realidade, pois o realismo não basta. Escrever ficção é rebelar-se contra a realidade e ir além dela. Não escrevo, além disso, para falar de mim – minha literatura tem pouco de autobiográfico. Não seria convincente dizer que é porque não tenho alternativa, não saberia fazer outra coisa, afinal sou diplomata e até me dediquei muito à carreira.

Tampouco seria suficiente dizer que sou escritor para entender o meu meio, o meu país, a sociedade em que vivo, para entender o Nordeste onde nasci, Brasília onde vivi, para compreender as contradições, os desafios e adversidades do mundo contemporâneo, embora seja inevitável que minha literatura esteja impregnada do que sou, como brasileiro vivendo no século XXI.

Se eu dissesse que com minha ficção busco a verdade e quero transmiti-la ao leitor — Alethea, em grego “verdade, memória”, é a negação de Lethe (noite, escuridão, esquecimento) — teria de acrescentar que a verdade com a qual o escritor trabalha, a que ele traz à luz dos fundos da escuridão, a que estava relegada ao esquecimento e ele recupera pela memória, é a verdade da própria da ficção. Não é à verdade ou à realidade que a literatura deve almejar, mas sim à superação, pela fantasia, das formas mais diretas de aquisição e transmissão de conhecimento. Sou ficcionista e, portanto, minto. Há elementos de história em meus romances, mas o mito me atrai mais do que a história e em meus romances criei meu próprio mundo ficcional.

Não sou ficcionista por acreditar que a literatura constroi necessariamente um mundo melhor, tem o poder de transformar a realidade ou serve para transmitir ideais e conhecimento, emitir opiniões, defender uma posição ou procurar dar sentido ao mundo. Por outro lado não escrevo apenas para entreter, para divertir, de forma despretensiosa, pois creio que a literatura tem que ter ambição, menos para edificar ou instruir o leitor, do que para inquietá-lo, causar-lhe surpresa e fazê-lo caminhar pelo inesperado.

Um último ponto: não escrevo para tratar de determinados temas, embora sejam evidentes os temas que me interessam em meus livros de ficção e até de forma obsessiva. Uma lista não exaustiva poderia incluir os processos de desmodernização, o desenraizamento, a hibridização, a fundação, o novo, o tempo, o vazio, a memória, a pós-utopia, o livre arbítrio e os novos meios de comunicação e de socialização. Mas não são esses temas que fazem de minha escrita uma escrita literária, um romance.

Antes de responder mais diretamente à pergunta de por que sou escritor, relato algo mais básico: como me tornei escritor.

Quando tinha seis para sete anos, minha irmã mais velha era professora primária numa escola pública e me ensinou as primeiras letras. Aprendi a ler em casa. Ela pregava figurinhas numa folha de papel e eu tinha de escrever as frases que me viessem à mente. Creio que aí foi plantada a semente para o gosto que tomei pela escrita, gosto que me acompanhou na escola, onde nada me dava mais prazer do que fazer redações.

Mais tarde o grande incentivo veio de meu pai, que faleceu quando eu tinha doze anos. Ele foi um autodidata, não frequentou escola, mas era um leitor ávido. Sua biblioteca não era grande. Cabia numa estante de portas de vidro com oito prateleiras ocupadas com livros de história, entre os quais vários da coleção brasiliana, e mais uma com livros de literatura, entre os quais alguns clássicos do romance regionalista nordestino. Quando aos nove anos de idade eu escrevia algumas páginas num caderno de escola, ele chamava aquilo de livro e me cercava de elogios. Era um incentivo e tanto.

Na adolescência escrevi poemas, nenhum aproveitável. Depois iniciei projetos de romance que não consegui levar adiante. Como parênteses na tentativa de escrever ficção, vieram as obrigações acadêmicas e as exigências do momento político brasileiro, que me levaram a publicar quatro livros.

No meu caso a ficção não veio para substituir o ensaio, nem para discutir os temas daqueles ensaios através de uma nova forma. A ficção correspondia a outro território, explorado desde antes e no qual me adentrei plenamente quando as outras formas de linguagem já não eram suficientes para exprimir o que eu queria. Mas “o que eu queria” talvez seja uma força de expressão.

Escrevia e ainda escrevo porque algo me inquietava e ainda me inquieta. Se já soubesse de antemão o que dizer, voltaria ao ensaio; se tivesse algo a demonstrar, a uma tese, que também cheguei a defender; se quisesse dar uma opinião, um artigo de jornal, o que aliás fiz com frequencia em momentos pontuais. Na ficção é possível dizer o indizível, deixar aflorar as contradições, expor as emoções e indagar, explorar.

Escrevo ficção menos para dizer o que sei do que para descobrir o que quero dizer, para indagar de mim, dos outros, da história que conto e daquela com H maiúsculo que nos envolve a todos; para procurar entender, para aprender, para aventurar-me, como um navegante, por mares ou mundos desconhecidos ou como um caminhante perdido no meio da floresta; para adentrar-me nas profundezas da alma, noutras vidas, fazendo brotar a criação literária da incerteza e da busca.

Escrevo também como um colecionador, para juntar o que encontro no meio do caminho. São fragmentos de leituras, histórias que me interessam, questões que me incomodam, notícias, experiências e emoções vividas não apenas por mim, mas também por outros.

Escrevo porque não posso escapar à escrita; ou seja, por uma necessidade íntima, indefinível; porque outras atividades não me dão ou não me dariam o mesmo prazer e o mesmo sofrimento e não são, portanto, igualmente necessárias para mim. Não vivo da escrita, mas escrevo para viver, pois não saberia viver sem ela. Sou escritor de ficção como uma forma de resistência, para rebelar-me contra a realidade e a morte, por não suportá-las e querer confrontá-las com vidas e mundos imaginários.

Não é do humor que depende minha ficção. Escrevo quando estou alegre e mais ainda quando estou triste. Para mim não aparecem musas, eu é que vou à busca delas e as invento com grande esforço quando quero.

Sou ficcionista porque o outro me atrai e para entendê-lo – o outro de mim mesmo e também aquele que me é completamente estranho. Num primeiro sentido, escrevo para seduzir o outro, em busca de leitores, mas não me satisfaria uma sedução fácil, entregando a mercadoria esperada. Noutro sentido, mais fundamental, escrevo para criar e viver personagens.

Ainda que não houvesse história alguma, que não houvesse enredo, meu objetivo seria que o texto se sustentasse pela escolha mesma das palavras, umas se juntando a outras de forma inesperada, desviando-se do estereótipo e do pitoresco, dos lugares comuns, das frases que se apresentam já feitas, criando novas formas de expressão e espaços amplos para a imaginação, exprimindo muitas vezes não apenas o que foi visto ou dito, mas também o que está escondido ou foi silenciado; não só o que aconteceu, mas o que não pôde acontecer; não apenas o que é conclusivo, mas igualmente o que é incompleto, fragmentário e oblíquo; não o que traz respostas, mas o que propõe perguntas.

A maior parte do tempo escrevo tateando palavras, para vencer uma dificuldade, a dificuldade mesma de escrever. Escrevo, então, para encontrar essas palavras e verificar o resultado de colocá-las umas ao lado das outras, por vezes juntando o que parecia não poder ser juntado, modificando ou embaralhando perspectivas. Mas gosto também depois de aplainar as arestas da linguagem, de dar coerência ao que não tinha, de encontrar sentido para o que antes parecia desconexo, de mostrar o itinerário para deixar no papel os traços de um percurso e de uma busca; de chegar a um nível de compreensão, enfim, a histórias.

Sou escritor, então, fundamentalmente porque me interesso pela linguagem, pela própria escrita, pelas palavras, pelas sílabas, pelos sons e pelo ritmo. Escrevo também porque ainda me faltam palavras, preciso contradizer o que disse ou não acabei de dizer tudo. Por fim, escrevo porque falar não é suficiente ou preciso encontrar uma expressão para meu silêncio.