Um mapa virtual para entender o enredo. José Castello, Playboy, sobre Samba-Enredo, de João Almino

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Playboy, Outubro 1994

José Castello

Todos sabemos, desde as lições impagáveis que Sérgio Porto assinou como Stanislaw Ponte Preta, que o Brasil é regido por uma partitura híbrida e disforme, nomeada Samba do Crioulo Doido. Se nosso país fosse um samba, ninguém saberia ao certo que melodia está ouvindo. Nossa lógica é a incoerência e nosso ritmo apresenta tantas síncopes e rupturas que, com frequência, o mais aplicado dançarino tropeça nos próprios passos. Ainda assim, o país avança.

O diplomata, cientista político, fotógrafo e escritor João Almino, atual cônsul do Brasil em São Francisco (EUA), decidiu tomar esse saber do caos como método e fazer dele instrumento de trabalho. Seu segundo romance, Samba-Enredo, lançado recentemente pela Editora Marco Zero, é uma tentativa ousada – e bem-sucedida – de carnavalizar o país, sincronizar com suas disritmias e tomar a sério sua incoerência.

Samba-Enredo, para começar, é narrado por um computador que, muito à vontade em sua função, trata o leitor por usuário, conta sua história através de um monitor e se perde em divagações sobre as fronteiras entre a memória, atributo acessível às máquinas, e a lembrança, qualidade restrita ao homem. Uma máquina feminina, batizada G.G., que tem como co-autor, em seu sincretismo bem à brasileira que põe a técnica ao lado da crendice, um fantasma chamado Silvia.

João Almino é um escritor pessimista. O tempo, para ele, apenas exacerba qualidades e defeitos, tornando todo desejo de mudança mera teimosia. Temos um presidente negro, uma Brasília definitivamente democratizada, liberdade absoluta de costumes e contatos rotineiros com discos-voadores. Em contrapartida, o país continua igual a si mesmo, tomado por seqüestros, diferenças perversas, atentados e escândalos, como se esses sinais de barbárie fossem sintoma intratável de nosso destino.

A trama caberia, sem dificuldades, em qualquer samba-enredo de segundo grupo. Na verdade, o país parece fadado ao caos. Almino não se intimida: o romance, em vários momentos, se torna a letra desse samba, sem que a ação se desmanche e a história deixe de chegar a bom termo – ainda que trágico. Os capítulos são curtos e certeiros, como mensagens emitidas por um terminal. Há uma história de amor, envolvendo o presidente negro e a mulher de um ex-ministro. É do cotidiano e do rotineiro, e não do anormal ou do sobrenatural, que Almino retira nosso fantástico.

Mas são tantos os saltos entre a realidade virtual do computador e o mundo verdadeiro, entre as fantasmagorias de Silvia e as ruas de Brasília, que o usuário – melhor: o leitor – termina tonto. É nessa tonteira que João Almino fisga o melhor pedaço do Brasil: sua capacidade de seduzir e de inebriar. O Carnaval, então, se torna uma metáfora de nosso abismo de fantasias, como se, após despir uma e outra e mais outra roupa, restasse de nós apenas um fantasma.

Samba-Enredo é um romance que, sem poses vanguardistas e sem complicações, atinge o que temos de mais avançado. O presidente negro é, um pouco, esse crioulo doido que governa e desgoverna o país e apesar de quem vamos em frente. O romance serve, por fim, como mapa para entendermos um pouco melhor a confusão brasileira. Vale a pena encarar. Podemos ter medo de tudo – menos de nós mesmos.

Playboy, Outubro 1994

Todos sabemos, desde as lições impagáveis que Sérgio Porto assinou como Stanislaw Ponte Preta, que o Brasil é regido por uma partitura híbrida e disforme, nomeada Samba do Crioulo Doido. Se nosso país fosse um samba, ninguém saberia ao certo que melodia está ouvindo. Nossa lógica é a incoerência e nosso ritmo apresenta tantas síncopes e rupturas que, com frequência, o mais aplicado dançarino tropeça nos próprios passos. Ainda assim, o país avança.

O diplomata, cientista político, fotógrafo e escritor João Almino, atual cônsul do Brasil em São Francisco (EUA), decidiu tomar esse saber do caos como método e fazer dele instrumento de trabalho. Seu segundo romance, Samba-Enredo, lançado recentemente pela Editora Marco Zero, é uma tentativa ousada – e bem-sucedida – de carnavalizar o país, sincronizar com suas disritmias e tomar a sério sua incoerência.

Samba-Enredo, para começar, é narrado por um computador que, muito à vontade em sua função, trata o leitor por usuário, conta sua história através de um monitor e se perde em divagações sobre as fronteiras entre a memória, atributo acessível às máquinas, e a lembrança, qualidade restrita ao homem. Uma máquina feminina, batizada G.G., que tem como co-autor, em seu sincretismo bem à brasileira que põe a técnica ao lado da crendice, um fantasma chamado Silvia.

João Almino é um escritor pessimista. O tempo, para ele, apenas exacerba qualidades e defeitos, tornando todo desejo de mudança mera teimosia. Temos um presidente negro, uma Brasília definitivamente democratizada, liberdade absoluta de costumes e contatos rotineiros com discos-voadores. Em contrapartida, o país continua igual a si mesmo, tomado por seqüestros, diferenças perversas, atentados e escândalos, como se esses sinais de barbárie fossem sintoma intratável de nosso destino.

A trama caberia, sem dificuldades, em qualquer samba-enredo de segundo grupo. Na verdade, o país parece fadado ao caos. Almino não se intimida: o romance, em vários momentos, se torna a letra desse samba, sem que a ação se desmanche e a história deixe de chegar a bom termo – ainda que trágico. Os capítulos são curtos e certeiros, como mensagens emitidas por um terminal. Há uma história de amor, envolvendo o presidente negro e a mulher de um ex-ministro. É do cotidiano e do rotineiro, e não do anormal ou do sobrenatural, que Almino retira nosso fantástico.

Mas são tantos os saltos entre a realidade virtual do computador e o mundo verdadeiro, entre as fantasmagorias de Silvia e as ruas de Brasília, que o usuário – melhor: o leitor – termina tonto. É nessa tonteira que João Almino fisga o melhor pedaço do Brasil: sua capacidade de seduzir e de inebriar. O Carnaval, então, se torna uma metáfora de nosso abismo de fantasias, como se, após despir uma e outra e mais outra roupa, restasse de nós apenas um fantasma.

Samba-Enredo é um romance que, sem poses vanguardistas e sem complicações, atinge o que temos de mais avançado. O presidente negro é, um pouco, esse crioulo doido que governa e desgoverna o país e apesar de quem vamos em frente. O romance serve, por fim, como mapa para entendermos um pouco melhor a confusão brasileira. Vale a pena encarar. Podemos ter medo de tudo – menos de nós mesmos.

Playboy, Outubro 1994

Todos sabemos, desde as lições impagáveis que Sérgio Porto assinou como Stanislaw Ponte Preta, que o Brasil é regido por uma partitura híbrida e disforme, nomeada Samba do Crioulo Doido. Se nosso país fosse um samba, ninguém saberia ao certo que melodia está ouvindo. Nossa lógica é a incoerência e nosso ritmo apresenta tantas síncopes e rupturas que, com frequência, o mais aplicado dançarino tropeça nos próprios passos. Ainda assim, o país avança.

O diplomata, cientista político, fotógrafo e escritor João Almino, atual cônsul do Brasil em São Francisco (EUA), decidiu tomar esse saber do caos como método e fazer dele instrumento de trabalho. Seu segundo romance, Samba-Enredo, lançado recentemente pela Editora Marco Zero, é uma tentativa ousada – e bem-sucedida – de carnavalizar o país, sincronizar com suas disritmias e tomar a sério sua incoerência.

Samba-Enredo, para começar, é narrado por um computador que, muito à vontade em sua função, trata o leitor por usuário, conta sua história através de um monitor e se perde em divagações sobre as fronteiras entre a memória, atributo acessível às máquinas, e a lembrança, qualidade restrita ao homem. Uma máquina feminina, batizada G.G., que tem como co-autor, em seu sincretismo bem à brasileira que põe a técnica ao lado da crendice, um fantasma chamado Silvia.

João Almino é um escritor pessimista. O tempo, para ele, apenas exacerba qualidades e defeitos, tornando todo desejo de mudança mera teimosia. Temos um presidente negro, uma Brasília definitivamente democratizada, liberdade absoluta de costumes e contatos rotineiros com discos-voadores. Em contrapartida, o país continua igual a si mesmo, tomado por seqüestros, diferenças perversas, atentados e escândalos, como se esses sinais de barbárie fossem sintoma intratável de nosso destino.

A trama caberia, sem dificuldades, em qualquer samba-enredo de segundo grupo. Na verdade, o país parece fadado ao caos. Almino não se intimida: o romance, em vários momentos, se torna a letra desse samba, sem que a ação se desmanche e a história deixe de chegar a bom termo – ainda que trágico. Os capítulos são curtos e certeiros, como mensagens emitidas por um terminal. Há uma história de amor, envolvendo o presidente negro e a mulher de um ex-ministro. É do cotidiano e do rotineiro, e não do anormal ou do sobrenatural, que Almino retira nosso fantástico.

Mas são tantos os saltos entre a realidade virtual do computador e o mundo verdadeiro, entre as fantasmagorias de Silvia e as ruas de Brasília, que o usuário – melhor: o leitor – termina tonto. É nessa tonteira que João Almino fisga o melhor pedaço do Brasil: sua capacidade de seduzir e de inebriar. O Carnaval, então, se torna uma metáfora de nosso abismo de fantasias, como se, após despir uma e outra e mais outra roupa, restasse de nós apenas um fantasma.

Samba-Enredo é um romance que, sem poses vanguardistas e sem complicações, atinge o que temos de mais avançado. O presidente negro é, um pouco, esse crioulo doido que governa e desgoverna o país e apesar de quem vamos em frente. O romance serve, por fim, como mapa para entendermos um pouco melhor a confusão brasileira. Vale a pena encarar. Podemos ter medo de tudo – menos de nós mesmos.

Playboy, Outubro 1994

Todos sabemos, desde as lições impagáveis que Sérgio Porto assinou como Stanislaw Ponte Preta, que o Brasil é regido por uma partitura híbrida e disforme, nomeada Samba do Crioulo Doido. Se nosso país fosse um samba, ninguém saberia ao certo que melodia está ouvindo. Nossa lógica é a incoerência e nosso ritmo apresenta tantas síncopes e rupturas que, com frequência, o mais aplicado dançarino tropeça nos próprios passos. Ainda assim, o país avança.

O diplomata, cientista político, fotógrafo e escritor João Almino, atual cônsul do Brasil em São Francisco (EUA), decidiu tomar esse saber do caos como método e fazer dele instrumento de trabalho. Seu segundo romance, Samba-Enredo, lançado recentemente pela Editora Marco Zero, é uma tentativa ousada – e bem-sucedida – de carnavalizar o país, sincronizar com suas disritmias e tomar a sério sua incoerência.

Samba-Enredo, para começar, é narrado por um computador que, muito à vontade em sua função, trata o leitor por usuário, conta sua história através de um monitor e se perde em divagações sobre as fronteiras entre a memória, atributo acessível às máquinas, e a lembrança, qualidade restrita ao homem. Uma máquina feminina, batizada G.G., que tem como co-autor, em seu sincretismo bem à brasileira que põe a técnica ao lado da crendice, um fantasma chamado Silvia.

João Almino é um escritor pessimista. O tempo, para ele, apenas exacerba qualidades e defeitos, tornando todo desejo de mudança mera teimosia. Temos um presidente negro, uma Brasília definitivamente democratizada, liberdade absoluta de costumes e contatos rotineiros com discos-voadores. Em contrapartida, o país continua igual a si mesmo, tomado por seqüestros, diferenças perversas, atentados e escândalos, como se esses sinais de barbárie fossem sintoma intratável de nosso destino.

A trama caberia, sem dificuldades, em qualquer samba-enredo de segundo grupo. Na verdade, o país parece fadado ao caos. Almino não se intimida: o romance, em vários momentos, se torna a letra desse samba, sem que a ação se desmanche e a história deixe de chegar a bom termo – ainda que trágico. Os capítulos são curtos e certeiros, como mensagens emitidas por um terminal. Há uma história de amor, envolvendo o presidente negro e a mulher de um ex-ministro. É do cotidiano e do rotineiro, e não do anormal ou do sobrenatural, que Almino retira nosso fantástico.

Mas são tantos os saltos entre a realidade virtual do computador e o mundo verdadeiro, entre as fantasmagorias de Silvia e as ruas de Brasília, que o usuário – melhor: o leitor – termina tonto. É nessa tonteira que João Almino fisga o melhor pedaço do Brasil: sua capacidade de seduzir e de inebriar. O Carnaval, então, se torna uma metáfora de nosso abismo de fantasias, como se, após despir uma e outra e mais outra roupa, restasse de nós apenas um fantasma.

Samba-Enredo é um romance que, sem poses vanguardistas e sem complicações, atinge o que temos de mais avançado. O presidente negro é, um pouco, esse crioulo doido que governa e desgoverna o país e apesar de quem vamos em frente. O romance serve, por fim, como mapa para entendermos um pouco melhor a confusão brasileira. Vale a pena encarar. Podemos ter medo de tudo – menos de nós mesmos.